20 de Novembro: A luta que atravessa séculos e a agenda urgente da igualdade racial no Brasil

Dia da Consciência Negra.
No Brasil, novembro sempre carrega a marca de uma memória que insiste em permanecer viva. Mais do que uma data no calendário, o 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra se tornou um território simbólico, onde passado, presente e futuro se encontram para revelar as camadas profundas do racismo estrutural e a potência da resistência do povo negro.
A dominação europeia sobre povos africanos foi resultado de um processo histórico complexo, marcado por avanços tecnológicos, interesses econômicos e transformações políticas que impulsionaram os reinos europeus a expandirem suas fronteiras. Entre os séculos XV e XIX, enquanto potências como Portugal, Espanha, Inglaterra e França fortaleciam seus exércitos e aperfeiçoavam armas de fogo e técnicas de navegação, o continente africano vivia uma realidade diversa, composta por centenas de povos, línguas e estruturas políticas.
A riqueza cultural e a organização interna de cada região não impediram que conflitos locais, disputas territoriais e rivalidades entre reinos criassem um ambiente de vulnerabilidade.
Esses elementos foram amplamente explorados por exploradores europeus, que se aproveitaram das divisões internas, estabeleceram alianças estratégicas e introduziram práticas comerciais que gradualmente se transformaram em mecanismos de controle e subjugação.
Dessa forma, antes mesmo de conquistar territórios pelo uso direto da força, os europeus já avançavam politicamente por meio da manipulação de dinâmicas locais e da infiltração em sistemas tradicionais de poder.
A escolha da data homenageia Zumbi dos Palmares, assassinado em 1695 após liderar o maior quilombo da história da América Latina.
Mas, para além da figura histórica, Zumbi simboliza um movimento coletivo que atravessou séculos e que, ainda hoje, influencia a luta por igualdade racial.
Uma ferida aberta na sociedade brasileira
Apesar de ser reconhecido oficialmente desde 2011, o 20 de novembro vem sendo celebrado por movimentos negros desde os anos 1970. A data ganhou força como uma contraposição ao 13 de maio, lembrado pela assinatura da abolição.
Para ativistas e pesquisadores, a abolição representou um fim formal, mas não real, da opressão e não garantiu direitos, trabalho, moradia ou reparação aos libertos.
Mais de um século depois, os indicadores sociais evidenciam que a desigualdade racial permanece como uma ferida aberta. Estudos apontam que pessoas negras: representam mais de 60% das vítimas de homicídio; ocupam a base da pirâmide salarial; têm menos acesso ao ensino superior;
são alvo das maiores taxas de violência doméstica e feminicídio; e ainda enfrentam discriminação institucional em diversos serviços públicos, incluindo saúde e segurança.
A mulher negra, especialmente, enfrenta uma sobreposição de violências que a coloca entre os grupos mais vulnerabilizados do país.
A pauta racial no universo jurídico
No campo jurídico, o 20 de novembro também se tornou um marco de reflexão.
A Constituição de 1988, ao criminalizar o racismo, abriu caminho para novas discussões, ampliadas por políticas afirmativas, decisões judiciais e avanços legislativos.
Ainda assim, especialistas afirmam que o sistema de Justiça precisa enfrentar seus próprios mecanismos de desigualdade.
Para a Comissão da Mulher Advogada e de Proteção aos Direitos da Mulher da OAB Subseção Lauro de Freitas, a data reforça a responsabilidade ética de advogadas e advogados na promoção de uma Justiça efetivamente igualitária.
“Não existe defesa dos direitos humanos sem o enfrentamento direto ao racismo.
E não existe proteção às mulheres sem olhar para as violências que recaem com ainda mais força sobre as mulheres negras”.
Ancestralidade que move o presente.
Se, por um lado, o 20 de novembro expõe desigualdades, por outro exalta a força cultural e intelectual da população negra. A contribuição africana molda a música, a literatura, a culinária, a política, as espiritualidades, as formas de organização comunitária e o próprio idioma brasileiro.
A ancestralidade se manifesta em rodas de capoeira, em terreiros de candomblé, em comunidades quilombolas, nos movimentos das periferias, na produção acadêmica e no empreendedorismo que pulsa mesmo diante das adversidades.
É essa presença que transforma o 20 de Novembro em um dia de resistência, mas também de celebração.
O desafio é construir um Brasil antirracista!
Especialistas concordam que enfrentar o racismo exige uma combinação de educação, políticas públicas, responsabilização institucional e envolvimento de toda a sociedade. No campo jurídico, isso inclui:
ampliar programas de acesso à Justiça; fortalecer a defesa das vítimas de discriminação; promover formação continuada sobre relações étnico-raciais; e adotar práticas que assegurem representatividade e equidade.
Para a CMAPDM, esse é um compromisso permanente.
“A luta antirracista não cabe apenas em um mês ou em uma data. Ela precisa atravessar todas as pautas, todas as instituições e todas as decisões. Um país só será verdadeiramente livre quando suas mulheres negras puderem viver sem medo, com dignidade, direitos e voz”, reforça a Comissão.
Um futuro que se constrói agora.
Ao relembrar Zumbi dos Palmares, não se resgata apenas um personagem do passado, mas a memória de um povo que não desistiu de lutar e que continua transformando sua história diariamente.
Honrar Zumbi é transformar o presente para que a liberdade seja plena e para todas e todos.
Texto por Josy Bispo membra da Comissão da Mulher Advogada e Proteção aos Direitos da Mulher da OAB Lauro de Freitas/BA.
