Reabertura precoce nos EUA deve servir de lição para Brasil, alerta especialista

 Reabertura precoce nos EUA deve servir de lição para Brasil, alerta especialista

A reabertura precoce de vários estados americanos gerou novos surtos do coronavírus em mais da metade dos EUA e deveria servir de exemplo a autoridades no Brasil antes que o país seja mergulhado em uma situação ainda mais alarmante em meio à pandemia.

Essa é a avaliação de Ali Mokdad, especialista em saúde pública e um dos responsáveis por compilar números sobre Covid-19 no Brasil para o IHME, instituto utilizado pela Casa Branca como um dos principais modelos durante a crise.

Segundo Mokdad, estados americanos que demoraram para fazer o shutdown ou que reabriram sem que o nível de transmissão fosse reduzido estão sofrendo com novos picos de contaminação, enquanto regiões que cumpriram rápida e rigorosamente a quarentena conseguiram controlar o vírus de forma mais efetiva.

Nesta semana, os EUA registraram aumento de casos em 29 dos 50 estados, segundo levantamento do jornal The New York Times. Somente dez estados e a capital americana apresentaram queda sustentada de infecções nos últimos 14 dias, o que levou especialistas a preverem não mais uma segunda onda até o fim do ano, mas surtos em diferentes regiões que, se não forem contornados, podem durar até depois de dezembro.

Os EUA são os líderes da pandemia no mundo, com mais de 2,4 milhões de casos e 124 mil mortes. O Brasil está em segundo lugar, com mais de 1,2 milhão de diagnósticos e 55 mil vítimas.

“A lição para o Brasil é ver o que está acontecendo nos EUA”, explica Mokdad. “Estou preocupado com o Brasil relaxando medidas de distanciamento social quando os casos estão subindo, é uma decisão errada.”

O roteiro catastrófico já foi seguido por diversos estados americanos e levou o país de volta a recordes diários de novos casos -foram mais de 41 mil infectados somente na quinta-feira (25), um dos piores índices desde o início da pandemia.

Depois de 95% dos americanos ficarem em quarentena por pelo menos mais de um mês, os EUA tiveram uma tendência de queda nos casos e mortes e, em maio, começaram a flexibilizar regras de isolamento e de distanciamento social.

A retomada, porém, foi diferente em cada região: enquanto estados como a Flórida reabriram atividades na primeira semana do mês, outros, como Nova York, entraram na primeira fase somente no início de junho.

A avaliação dos especialistas é que as pessoas começaram a sair de casa pouco antes do fim da quarentena, conforme a data de liberação estipulada por seus governadores se aproximava.

Num primeiro momento, a postura era cuidadosa, com uso de máscara e distanciamento social. Depois, parte da população foi relaxando, principalmente os jovens, que aproveitaram o feriado do Memorial Day, no fim de maio, para fazer festas em lagos e praias sem regras de proteção.

Os casos de Covid-19 entre os jovens começaram então a aumentar nos EUA, mas a mortalidade ainda não subiu de forma significativa, porque a maioria deles é saudável e corre menos risco de morrer.

Mas o quadro deve mudar. A expectativa é que as próximas semanas sejam mais difíceis, diz Mokdad, porque esses jovens terão entrado em contato frequente com os mais velhos, foi Dia dos Pais nos EUA no domingo (21) e, assim, aumentado a transmissão em outros grupos.

“A partir daí, infelizmente, vamos ver a mortalidade voltar a subir”, conclui o especialista.

O vice-presidente dos EUA, Mike Pence, por sua vez, não concorda com a avaliação. Em coletiva de imprensa nesta sexta-feira (26), a primeira da força-tarefa do governo sobre pandemia depois de quase dois meses, Pence minimizou os repiques e disse ser positivo que metade dos novos casos se dê em pessoas com menos de 35 anos. Para ele, a mortalidade não deve aumentar porque esse grupo é menos suscetível a casos graves da doença.

A preocupação dos especialistas, inclusive de técnicos do governo, é justamente com essa falsa sensação de normalidade.

O consenso médico é que, enquanto não houver vacina ou tratamento, os métodos de controle e prevenção mais eficazes continuam sendo o uso da máscara e o distanciamento social, além de considerar retroceder os processos de reabertura econômica quando o quadro for mais grave.

“Precisamos dar um passo para frente cientes de que, depois, talvez teremos que dar dois passos para trás”, afirma John Swartzberg, especialista em doenças infecciosas da Universidade da Califórnia em Berkeley.

Dados divulgados pelo IHME esta semana mostram que, se 95% da população americana usar máscaras, por exemplo, cerca de 30 mil mortes podem ser evitadas até outubro a projeção do instituto é de 179 mil mortes nos EUA até lá.

No caso do Brasil, 20 mil mortes poderiam ser evitadas se o país adotasse uma política nacional de obrigatoriedade da máscara.

O acessório é barato e eficaz para reduzir a transmissão e, dessa forma, postergar um possível retorno ao shutdown. Na Flórida, Texas e Arizona, onde índices de novos casos e hospitalizações dispararam nos últimos dias, especialistas dizem que é preciso voltar à quarentena. Isso porque, caso não sejam controlados, esses picos podem se espalhar para estados que já passaram por suas fases críticas e estão em adiantado processo de reabertura, como Nova York.
Califórnia, Oklahoma, Alabama, Nevada e Missouri são outros exemplos dos novos picos de Covid-19 que atingem principalmente o sul e a costa oeste dos EUA.

Somente o Texas chegou a registrar 6 mil casos em 24 horas esta semana e, na quinta-feira (25), o governador Greg Abbott anunciou a suspensão do plano de reabertura.

Oregon e Utah também pararam ou retardaram o fim das restrições. Trump chegou a defender regras de distanciamento social que duraram no país inteiro até 30 de abril. Depois disso, preocupado com o impacto negativo sobre a economia às vésperas da eleição, passou a estimular a reabertura, apesar de a responsabilidade do cronograma de retomada estar nas mãos dos governadores.

Os estados republicanos, como Flórida, Texas e Arizona, logo seguiram o presidente, e o preço começou a ser pago um mês depois, já que o vírus segue se alastrando de forma invisível sem capacidade de testagem e monitoramento suficiente para novos casos.

O maior número de testes é usado como argumento pelas autoridades estaduais, e por Trump, para justificar o aumento de casos, mas especialistas dizem que isso não é suficiente para explicar os repiques, já que a porcentagem da testagem positiva e as hospitalizações também subiram.

Além da reabertura precoce, outros fatores também podem influenciar na nova alta de casos. A Califórnia, por exemplo, foi um dos primeiros estados a entrar em quarentena nos EUA e causou surpresa sua presença entre os novos picos. Densidade populacional, comportamentos individuais e o maior índice de testagem podem ter contribuído neste caso.

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