Clima das eleições municipais no Brasil já antecipa disputa presidencial de 2018

 Clima das eleições municipais no Brasil já antecipa disputa presidencial de 2018

As eleições às prefeituras nas capitais do país já trazem indícios da temperatura do pleito presidencial de 2018. Os cenários em São Paulo e no Rio de Janeiro apontam para uma polarização que, aliada ao contexto nacional de crise econômica e de insatisfação do eleitorado, abre espaço para uma terceira via que tenha um discurso forte e esteja em sintonia com o povo.

Na corrida pela prefeitura de São Paulo, João Dória (PSDB) saiu de uma amarga terceira posição, disparando para a liderança absoluta nas pesquisas, de acordo com os dados do Ibope e do Datafolha. Na pesquisa do Datafolha, por exemplo, o candidato pulou de 5% em agosto para 30%, ultrapassando Russomanno (PRB) e liderando com folga.

Dória ganhou eleitores em cima de Marta Suplicy (PMDB), que caiu 5%, e de Celso Russomanno (PRB), com um recuo de 6%. Fernando Haddad (PT), apesar de permanecer em quarto lugar, também subiu na pesquisa 3%. Os números de brancos, nulos e indecisos permaneceram flutuando dentro da margem de erro. Esses dados levam em consideração a pesquisa Ibope. A ascensão do tucano veio logo após a Polícia Federal ter prendido dois ex-ministros da Fazenda dos governos PT: Guido Mantega e Antonio Palocci.

O candidato é apadrinhado por Geraldo Alckmin (PSDB). A indicação de Dória foi uma batalha difícil vencida pelo governador paulista, pois José Serra apoiava Andrea Matarazzo, que desistiu da candidatura para se tornar o vice de Marta Suplicy. Para isso, Matarazzo saiu do PSDB e foi para o PSD.

Nos bastidores, é dito que a manobra de criar a chapa Marta-Matarazzo é atribuída a José Serra, em mais um movimento de aproximação com o PMDB visando a corrida presidencial de 2018.

Com o afundamento de Marta nas pesquisas, o prestígio do tucano perante o partido de Temer teria caído a ponto de comprometer as possibilidades de Serra concorrer à presidência pelo PMDB. Já a aposta possivelmente vitoriosa de Alckmin representa um triunfo que pode ter incrementado sua candidatura à presidência, que conta com a simpatia dos eleitores conservadores.

Minutos após a divulgação da pesquisa do Datafolha que mostrava a liderança de Doria, o candidato comemorou e anunciou: “Se Deus quiser, com a nossa força e a nossa vitória, [Alckmin] vai ser conduzido, sim, à Presidência da República em 2018”.

Esse leva-e-traz entre os dois partidos revela também o desgaste entre eles. Apesar de serem aliados, o governo atual está longe de ser unanimidade dentro do PSDB. Em entrevista ao jornal argentino El Clarín, o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso afirmou que Michel Temer precisa “preencher um certo vazio de popularidade e, mais que isso, de liderança”. FHC ressaltou que Temer ainda não se impôs como líder nacional.

Por outro lado, as pesquisas divulgadas no começo dessa semana também demonstraram que Jandira Feghali (PCdoB) vem tendo sua candidatura à Prefeitura do Rio afetada negativamente pela exposição de sua aliança com o PT. Na primeira pesquisa, a candidata aparecia em quarto lugar, subindo para terceiro na segunda. Na pesquisa seguinte, do dia 21 de setembro, Jandira estava prestes a ficar na segunda posição, ficando apenas 1% atrás de Marcelo Freixo (PSOL). Porém, no mesmo dia 21, Jandira Feghali realizou um comício acompanhada pela ex-presidente Dilma Rousseff, na Cinelândia. Segundo a pesquisa do Datafolha divulgada na segunda (26), a candidata caiu 2%, empatando com Flávio Bolsonaro (PSC), em quarto. No mesmo dia, ela foi acompanhada por Lula em um ato em Bangu, na Zona Oeste do Rio.

Crise de representatividade política é mundial

O que a sociedade busca hoje é renovação. A procura pelo novo, pelo “autêntico”, causa anomalias perigosas, como a candidatura de Donald Trump, nos EUA. Mas o mesmo povo que escolheu o republicano como candidato ficou prestes a colocar Bernie Sanders como o competidor democrata às eleições presidenciais americanas. Um autodeclarado socialista esteve perto de ser presidente dos EUA, meca do capitalismo mundial. O povo não quer mais do mesmo.

O fenômeno é planetário. O historiador e economista mexicano Carlos Marichal, em sua coluna para o El País, comentou sobre as condições políticas na Espanha, que refletem a tendência mundial. “O que se trata hoje na Espanha – assim como na América Latina – não é tanto a governabilidade e mais a regeneração democrática”. Ele afirma que isso pode não ser alcançado com o atual modelo de governo presidencialista espanhol, e continua: ”Evidentemente, continuar as políticas profundamente viciadas do partido no poder na Espanha não é uma opção que inspira nenhuma confiança na renovação democrática. É necessário oferecer outro modelo político espanhol para o mundo”, opinou Marichal.

2018

Não é surpresa para ninguém que a Operação Lava Jato está com Lula na mira. O ex-presidente ainda não foi preso, mas dois ex-ministros importantes do seu governo já foram. A condição de presidenciável do petista pode se tornar insustentável, impedindo sua volta em 2018. No entanto, se o presidente Michel Temer não conseguir contornar os problemas econômicos do país, não conseguir diminuir o desemprego e controlar a inflação, e se a crise nos Estados permanecer, os nomes que podem representar o atual governo também não terão um horizonte favorável na disputa. O país em convulsão social buscará novas opções que representem alternativas diferentes do contexto atual.

Neste cenário, o nome de Ciro Gomes tem se destacado. Ele é do PDT, partido fundado por Brizola, mas tudo indica que, se Lula não participar em 2018, Ciro Gomes viria com apoio do Partido dos Trabalhadores. Ciro é conhecido por seu posicionamento violento mesmo perante aliados, e já disparou críticas até contra Lula.

O presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, afirmou em janeiro que procura apoio no PT para Ciro. “Tenho tido conversas com muitos dirigentes do PT, e a receptividade ao nome do Ciro é muito boa”, contou Lupi ao Estadão na época. O próprio Ciro já confirmou em diversas entrevistas que será candidato em 2018.

E o perfil forte e incisivo, aliás, é de família. Seu irmão, Cid Gomes, atacou duramente o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em discurso no plenário em março de 2015, quando era ministro da Educação.

Apontando o dedo para Cunha, Cid Gomes disparou: “Eu fui acusado de ser mal educado. O ministro da Educação é mal educado. Eu prefiro ser acusado por ele [Eduardo Cunha] do que ser como ele, acusado de achaque.”

Na ocasião, ele ainda se dirigiu a deputados que detinham cargos na administração federal mas não davam apoio ao governo no Congresso: “Larguem o osso, saiam do governo”. O episódio acabou culminando com seu pedido de demissão do ministério.

O cearense Ciro Gomes não está envolvido em escândalos de corrupção, desistiu de três aposentadorias públicas – de prefeito, governador e deputado – por considerá-las antiéticas. Uma decisão popular. Ele também já corre o Brasil, dando palestras em universidades onde tem condições de atrair uma juventude desesperançosa quanto à política. Além disso, Ciro Gomes teve tanta ou mais importância na implementação do Plano Real do que FHC.

O ex-presidente tucano renunciou ao Ministério da Fazenda no momento mais crítico da transição da moeda, para se candidatar. Itamar Franco, presidente na época da implantação do plano, fez duras críticas ao PSDB em 2010, em entrevista à rádio Eldorado. “A todo instante assistimos na TV o PSDB comemorando os 15 anos do Plano Real. Oras, isso não nos magoa, mas é uma deturpação, uma negação da história. O grande ministro do plano chama-se Rubens Ricúpero e, em seguida, Ciro Gomes”, afirmou Itamar Franco, falecido em 2011.

O momento atual do país em muito remete ao período da política do café com leite, quando o país era governado alternadamente entre as oligarquias de Minas Gerais e São Paulo. As desavenças entre os dois grupos, e a crise mundial na qual o país também estava inserida (assim como hoje), provocou a Revolução de 30. Hoje, o jogo de compadres é entre PMDB e PSDB, mas o racha entre os dois partidos já fica claro.

Na época, os problemas causados por essa política permitiram a ascensão de Getúlio Vargas e sua política trabalhista. A diferença é que o país era muito mais centralizado, com 40 milhões de brasileiros, entre os quais muitos em condições de pobreza extrema e despolitizados. Hoje há mais de 200 milhões de habitantes, mais politizados, e a renda aumentou desde o início do século XXI. Mas a crise política ainda tem muitos paralelos com a crise dos anos 30. E a convulsão social que ela pode suscitar tem potencial de levar um nordestino a colocar seu chapéu no Palácio do Planalto, assim como um gaúcho colocou seu cavalo no Obelisco da Avenida Rio Branco.

 

Por Felipe Gelani

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