Mieloma múltiplo: conheça o tipo raro de câncer que tem dor na coluna como principal sintoma

 Mieloma múltiplo: conheça o tipo raro de câncer que tem dor na coluna como principal sintoma

Dor na coluna após os 50 anos é queixa  comum em consultórios médicos, já que o problema é visto como consequência direta do envelhecimento, anos acumulados de excesso de esforço físico ou má postura. O que poucos sabem, no entanto, é que essa condição também é o principal sintoma do mieloma múltiplo, um tipo raro de câncer de sangue que, normalmente, acomete pessoas idosas.

Na Bahia, 134 casos foram diagnosticados somente em 2024. Entre 2013 e 2023, foram 2.026 casos, segundo dados do DATASUS, órgão da Secretaria de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde, que coleta, processa e custodia dados de saúde no Brasil.

Os números de casos coletados no DATASUS foram atualizados no dia 15 de novembro. A reportagem buscou dados junto ao Instituto Nacional de Câncer (Inca), órgão auxiliar do Ministério da Saúde que centraliza informações sobre câncer no país. Em resposta, a pasta disse não possuir dados consolidados de mieloma múltiplo na Bahia. Esta quarta-feira (27) é dedicada ao Dia Nacional de Combate ao Câncer.

Assim como a maioria dos cânceres, não existe certeza sobre o que causa o mieloma múltiplo. Sabe-se que a doença acomete as células que produzem anticorpos e, por conta disso, o organismo afetado começa a produzir uma proteína defeituosa no sangue, que posteriormente se prolifera e produz alterações no corpo. Os primeiros sinais dessa condição incluem dor na coluna – o sintoma mais comum – anemia e problemas renais.

De acordo com Edvan Crusóe, hematologista, chefe do serviço de Hematologia e Hemoterapia do Hospital Universitário da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e coordenador do Centro Integrado de Tratamento do Mieloma Múltiplo da Rede D’ Or, o diagnóstico da doença é feito através de um exame simples e barato chamado eletroforese, mas que é pouco pedido pelos médicos clínicos – o que dificulta o tratamento precoce do mieloma.

“Infelizmente, os médicos clínicos não solicitam. A dor na coluna não é associada ao mieloma, mas identificada como hérnia ou algum problema muscular e tratada com anti-inflamatório,  prejudicando tudo. Isso porque mieloma múltiplo pode alterar os ossos e causar fraturas – já que a doença estimula as células do metabolismo ósseo – provocando alteração no cálcio, a pessoa pode ficar com torpor, desorientada, desidratada, ter anemia e alteração renal”, elenca.

Diagnóstico rápido 

No Brasil, a incidência do mieloma múltiplo é de 1,24 a cada 100 mil novos casos por ano. A identificação rápida é o principal mecanismo de combate à doença. Atualmente, 64 anos é a mediana da idade de diagnósticos no Brasil, mas a abordagem do tema já tem implicado identificações precoces.

Não fosse por um diagnóstico rápido, obtido em 2017, a assistente social Lídice, de 59 anos, que preferiu preservar o sobrenome, provavelmente, não teria conseguido conquistar a qualidade de vida que possui hoje, mesmo com as adversidades da enfermidade. Ela, que foi diagnosticada com mieloma múltiplo, em Salvador, conta que tudo começou com dores fortes na coluna durante uma viagem a Cachoeira, no Recôncavo baiano.

“Eu, realmente, não conhecia a doença, nem sabia o que era ou que existia. Dor na coluna muita gente tem e eu também sentia. Fui à emergência, no interior, e o médico me passou um anti-inflamatório. Eu pedi uns exames corriqueiros e ele passou, mas eu continuei com muita dor. Por azar, tropecei na rua e a dor ficou muito acentuada. No outro dia, fui fazer os exames lá mesmo e depois me ligaram do hospital, pedindo que eu repetisse os exames. Foi uma coisa que achei estranha, mas fui. Eu não esperava que o que vinha por aí era o diagnóstico de uma anemia intensa, insuficiência renal séria e a constatação de que eu tinha fraturado uma vértebra”, relata.

Após ficar internada para recebimento de bolsas de sangue, na tentativa de melhorar o quadro anêmico, Lídice recebeu encaminhamento para consultas com hematologista e nefrologista. Já em Salvador, ela fez uma série de exames a pedido da nefrologista e, em pouco tempo, recebeu o diagnóstico de mieloma múltiplo. “Eu entrei no processo de negação, só depois a ficha foi caindo sobre o que era a doença e entrei em desespero. É algo muito assustador de descobrir”, ressalta.

Apesar da reação inicial, Lídice logo entrou na fila da regulação e buscou os tratamentos disponíveis. No Hospital das Clínicas, ela recebeu a primeira linha terapêutica, que consistiu na combinação de medicamentos que estabilizaram a doença. Desde então, já foi submetida a outras duas linhas terapêuticas e demonstra satisfação com os resultados. “Eu faço tudo. Se alguém me vê, diz que não tenho nada. Claro, tomo medicação e às vezes fico com fadiga e um pouco debilitada, mas aparentemente não tenho nada. […] Hoje, agradeço muito a Deus, à equipe do hospital e ao SUS”, diz.

Tratamentos

Há cerca de 40 anos, as opções de tratamento do mieloma múltiplo eram tão escassas que o prognóstico de vida do paciente raramente passava de cinco anos após o diagnóstico. Hoje, quem tem a doença pode combatê-la com quimioterapia, radioterapia, inibidores de proteassoma, imunomoduladores, transplante autólogo, imunoterapia, bioespecíficos e CAR-T Cell – sendo estas duas últimas as mais inovadoras, atuais e eficazes alternativas de tratamento.

Todo esse rol de opções, no entanto, é limitado no sistema público de saúde. Segundo Angelo Maiolino, que é hematologista, presidente da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) e professor de Hematologia da UFRJ, os tratamentos de ponta representaram um grande avanço, mas ainda estão longe de ser uma realidade para todos.

“O acesso a essas novas terapias, como a imunoterapia e CAR-T Cell, representou um impacto muito grande na sobrevida desses pacientes. Eu comecei a tratar pacientes com mieloma há mais de três décadas e eles tinham um prognóstico muito ruim. Com essas novas modalidades, o tratamento hoje é uma combinação dessas classes de drogas imunoterápicas e o transplante de medula, que ainda tem o seu papel, mas o acesso é crítico, porque a doença não passa por uma única fase de tratamento”, aponta.

Geralmente, o paciente recém-diagnosticado é submetido a uma primeira linha de tratamento que combina classes diferentes de terapias. “É feito o início de tratamento usando o Daratumumabe, que é um anticorpo, acompanhado da Lenalidomida, que é um imunomodulador [nutriente que atua diretamente no sistema imunológico, modulando-o de forma a fortalecer suas defesas e seu funcionamento], o Bortezomib, que é um inibidor de proteassoma [tem a função de decompor as células cancerígenas] e um corticoide”, detalha.

A primeira linha de tratamento pode ser seguida de transplante autólogo, isto é, do recebimento de medula óssea vinda do próprio paciente. O tempo de resposta varia a cada caso, mas pode durar meses ou até mesmo anos. Ocorre que, na maioria dos casos, o mieloma múltiplo retorna e, sendo assim, o paciente precisa passar por outra linha de tratamento – o máximo entre os imunoterápicos, atualmente, são três.

As mais recentes terapias, o CAR-T Cell e os bioespecíficos, tendem a prolongar o tempo de resposta e aumentar a sobrevida daqueles que têm mieloma múltiplo. “Se houver a disponibilidade de usar esses tratamentos, com certeza, para a maioria dos pacientes, haverá um tempo muito longo de duração de resposta. Não chamo de cura, mas já temos pacientes com 15 a 25 anos de duração de resposta [com os tratamentos atuais]”, finaliza Angelo Maiolino.

Fonte: Correio

Todo o conteúdo deste portal é protegido por leis de direitos autorais. Para republicação ou uso, entre em contato com nossa equipe de suporte.