Falhas em pistolas usadas por policiais pressionam Taurus
Uma abordagem policial de rotina quase terminou em tragédia no início deste ano, em Porto Alegre. Ao se aproximar de um suspeito de tráfico de drogas no bairro Rubem Berta, o sargento da Brigada Militar Giovane Costa sacou a arma do coldre e ouviu o disparo. Por sorte, a pistola .40 ainda não estava apontada para o jovem, e o tiro acertou a calçada.– A arma disparou sem ter feito uso dela para isso. Ainda bem que não pegou na pessoa que estava abordando naquele momento. Poderia ter me complicado. Um inocente poderia ter morrido, e eu responderia por imperícia ou negligência – conta.
O caso do sargento não é isolado. Existem relatos de policiais em outros Estados que também tiveram problemas com pistolas. Entre eles, uma marca em comum: a Taurus, maior empresa de armamentos do Brasil e a principal fornecedora das forças policiais.
A quantidade de acidentes, alguns bem mais graves que o do PM gaúcho, motivou a criação da página “Vítimas da Taurus” no Facebook, onde as situações são expostas para pressionar a fabricante. A mobilização da categoria ganhou repercussão e chegou à Câmara dos Deputados. Os policiais cobram providências em nível nacional e contam com o apoio do deputado Major Olimpio (SD-SP), que pretende realizar audiência pública em agosto, e tentar avançar para uma possível comissão parlamentar de inquérito (CPI).
– A situação merece uma atenção em grande escala. Merece investigação. Há vidas em jogo. A Taurus detém o monopólio de fabricação em todos os níveis da segurança pública. Vejo como mais que urgente a necessidade de uma CPI para apurar as circunstâncias em que a fabricação dessas armas é autorizada – sustenta Olimpio.
As falhas envolvendo a fabricante também estão na mira da Procuradoria de Justiça Militar. Uma investigação foi aberta para apurar supostas irregularidades na atuação da diretoria de produtos controlados do Exército, responsável pela fiscalização das armas comercializadas no país. A sede da Taurus, em São Leopoldo, foi alvo de vistoria em junho, como parte do procedimento.
Por trás da mobilização da categoria está o tenente Alexandre Castro, da Polícia Militar de Goiás. Ele não teve a mesma sorte que o sargento gaúcho. Em 2013, a pistola .40 dele caiu no chão, no quarto de casa. A bala acertou a perna direita. De lá para cá foram cinco cirurgias e uma nova vida ao lado de muletas.
– A bala acertou entre a tíbia e o fêmur, debaixo para cima. Estourou a perna, arrebentou tudo. Foi uma lesão gravíssima. Minha perna atrofiou, enrijeceu. Perdi os movimentos e cinco centímetros de perna. Hoje continuo aleijado e só consigo andar com ajuda das muletas, mesmo. Minha carreira de policial foi prejudicada – conta o PM goiano.
Os disparos acidentais não são os únicos problemas com as pistolas da Taurus. Em certos casos, segundo relatos de policiais, elas não atiram quando são acionadas, têm erros de montagem e de alinhamento da munição com o cano. Trata-se de uma série de falhas que atinge as polícias, o que representa risco tanto para os policiais quanto para a sociedade.
De acordo com o tenente Castro, a pistola campeã em acidentes é a modelo 24/7. Na página Vítimas da Taurus, ele também já recebeu relatos de problemas com outros modelos de pistolas, como PT 840, PT 838, PT 638, PT 940 e PT 100.
Reclamações viraram rotina, diz associação
Em maio, a GloboNews divulgou resultados de um teste realizado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, entre 31 de março e 1° de abril deste ano, para avaliar a eficiência das armas da Taurus em um lote adquirido em 2013. Das 55 pistolas examinadas, 36 tiveram problemas, sendo 20 da PT 940, que apresentaram pelo menos uma falha, e outras 16 da PT 840, que teve 16 reprovadas.
– Participei de um recall recente de uma grande quantidade de pistolas. Todas as armas adquiridas, de um lote que veio do Rio de Janeiro, tiveram de retornar para a Taurus. Agora te pergunto: tu pegarias um avião com chances de dar pane? – questiona um agente da Polícia Civil gaúcha, que pediu para não ser identificado.
O diretor da associação dos servidores de nível médio da Brigada Militar (Abamf), Ricardo Agra, salienta que as reclamações fazem parte da rotina de policiamento da corporação.
– São armas que falham, de péssima qualidade. Com a afronta da violência, em que os marginais estão cada vez mais armados, as pistolas dos PMs têm falhado constantemente. É um perigo para a atividade policial. Alguns estão preferindo tirar do próprio bolso e usar armas particulares para salvar suas vidas num eventual confronto – afirma.
Reserva de mercado questionada
Entre os especialistas em segurança e autoridades, a tese que mais pesa em relação às falhas apresentadas por armas da Taurus é que a fabricante tem exclusividade no mercado como fornecedora das forças policiais e que, por isso, dizem, não investiria em melhorias como deveria. A liberação da importação para o setor e uma mudança na lei surgem como alternativas de melhorias.
Atualmente, as polícias Civil e Militar dos Estados precisam de autorização do Exército para adquirir armas estrangeiras. Além disso, a R-105, que regulamenta a fiscalização de produtos controlados, restringe a importação de armas que já existam na indústria nacional.
– Esse monopólio da Taurus no mercado é prejudicial para todos que utilizam as armas deles. Com a liberação da importação, todas as polícias ganhariam – avalia um agente da Polícia Civil gaúcha, que teve o nome preservado.
Especialista defende revisão de lei que veta importados
O consultor em segurança Dempsey Magaldi, proprietário do Grupo Magaldi, concorda com o policial. Segundo ele, o setor precisa de revisão, especialmente na legislação, que protege a indústria nacional e veta importados.
– Quando há concorrência qualificada, o serviço melhora para o consumidor. Nada melhor do que liberar a importação para incentivar o desenvolvimento da indústria brasileira – argumenta Magaldi.
Para o especialista, as fabricantes deveriam produzir armamentos que se aproximassem do índice zero de falhas. Se houver erro, tem de ser pontual e jamais se tornar recorrente, especialmente em armas empregadas pela polícia no combate à criminalidade, diz o consultor, que tem cerca de 40 anos de experiência no setor.
– Arma é como paraquedas. Tem de funcionar, tem de apresentar padrão de funcionamento perfeito. Se tu és um policial e não confia no teu equipamento, como vais ter segurança na hora de agir? – questiona Magaldi.
O deputado Major Olímpio (SD-SP), que lidera as ações políticas na Câmara, endossa a necessidade da flexibilização do setor.
– O Exército acaba não fiscalizando, posteriormente, os modelos fabricados. Há um movimento nacional para a livre concorrência no mercado. Precisamos estimular a indústria nacional a se aperfeiçoar – justifica.
Em crise financeira há cinco anos
Além das falhas nas pistolas, a Taurus passa por uma das piores crises financeiras de sua história. Analistas avaliam que os problemas começaram a partir de 2011, quando a companhia realizou reestruturação societária, incorporando a holding Polimetal, que tinha dívida estimada em R$ 165 milhões à época.
– Os problemas financeiros nasceram nesse evento – diz Valter Bianchi, sócio da Fundamenta Investimentos, que tinha participação acionária na Taurus, mas abriu mão em razão da reestruturação.
Em 2014, a Companhia Brasileira de Cartuchos ingressou no capital social da Taurus e se tornou o novo acionista controlador. Segundo Bianchi, essa fusão já foi provocada pelo endividamento enfrentado pela empresa.
– Empresas que produzem armas e cigarros são economias cujo objeto de produção é polêmico. A taxa de empréstimo sempre costuma ser mais alta – explica Bianchi sobre possíveis fatores que possam ter agravado a crise.
No fim de junho, a Taurus fechou acordo para captar US$ 150 milhões em empréstimos e debêntures (títulos oferecidos por empresas para obter recursos) para tentar avançar no processo de reestruturação. O prazo para a conclusão da operação será de cinco anos. Outro montante que saiu dos cofres da empresa foi por um acordo para encerrar uma ação judicial por supostos defeitos em alguns modelos de armas na Flórida, nos Estados Unidos. A proposta, em abril de 2015, envolvia valores em torno de US$ 40 milhões.
Perfil da empresa
Fundada em 1931,a Taurus tem três plantas industriais no Brasil.
A sede fica em São Leopoldo, Nos Estados Unidos, a empresa conta com uma planta na Flórida. A companhia exporta seus produtos para 80 países e tem cerca de 2,6 mil funcionários. No Rio Grande do Sul, e existem outras duas filiais no Paraná e na Bahia.
O que diz a Taurus
Perícias realizadas até o momento, de acordo com as normas aplicáveis, confirmam a inexistência de defeitos ou falhas nos mecanismos de funcionamento e de segurança do equipamento que pudessem levar a disparos acidentais. Ainda assim, sempre que necessário para garantir a confiança em nossos produtos, temos realizado revisões e manutenções preventivas nas armas vendidas a nossos clientes.
A companhia tem conhecimento de algumas ações judiciais de alegados problemas com armamentos Taurus no Brasil. As perícias realizadas nesses processos não confirmam a existência de falhas ou defeitos nos mecanismos de funcionamento e segurança das armas.
Além da Taurus, outras empresas atuam no mercado brasileiro de defesa, como a Boito e a Imbel. Vale lembrar que a Taurus atua em mercados extremamente competitivos e está entre as cinco maiores fornecedoras do mercado dos EUA e, por isto, não tem razão alguma para temer qualquer tipo de concorrência – nacional ou internacional. Além disso, não cabe à Taurus comentar sobre a política de defesa nacional e suas diretrizes sobre importação de produtos controlados.
Ressaltamos que não foi encontrado qualquer defeito específico em nenhum modelo de armas produzidas pela Taurus, segundo perícias realizadas até o momento dentro das normas técnicas aplicáveis.
O que diz o Exército
Em nota, o Exército afirmou que apenas cumpre a R-105, instituída por decreto presidencial. Em relação à fiscalização, declarou que instaurou um procedimento investigativo para “verificar a adequação das armas produzidas em relação ao protótipo aprovado”. Disse, ainda, que “o lote submetido ao teste para a aprovação do produto serve como baliza para a qualidade e adequação às normas técnicas, bem como para verificar a qualificação técnica da empresa, que deve produzir o material seguindo a mesma qualidade aprovada no lote de teste”.