A Crise Societária e a utilização das Práticas Colaborativas como método multidisciplinar para tratamento do conflito

 A Crise Societária e a utilização das Práticas Colaborativas como método multidisciplinar para tratamento do conflito

Por *Lizandra Colossi Oliveira

Uma crise societária pode ter pouco, ou nada de conteúdo jurídico em seu bojo, ainda mais se pensarmos nas empresas familiares, em que as emoções restam emaranhadas com os dados objetivos da empresa. Inclusive, até mesmo a análise de tais dados pode estar prejudicada por uma ótica parcial, imbuída de julgamento, e de sentimentos. 

Recentemente, uma empresa nacional recebeu uma proposta, de um grupo internacional, para ser adquirida. E o foi. Por quê? Não foi somente pela quantia oferecida – que, pelo valor agregado da marca, não significava tanto. Mas porque havia uma crise interna, entre os sócios, de uma mesma família. Quem saiu perdendo? A família empresária, com certeza, e, pensando de forma macro, ou sistêmica, o nosso país.

 

A inabilidade do jurista de lidar com o conflito sem ser, necessariamente, mediante troca de petições em demanda ajuizada, é uma realidade. São poucos os advogados que levam a sério – se é que conhecem – o que diz nosso Código de Ética, em seu artigo segundo:

 

Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerente:

Parágrafo único. São deveres do advogado: 

VI – estimular, a qualquer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios; (grifo nosso)

 

Ora, se o Código de Ética preceitua tal conduta, digamos, colaborativa, desde 2015, quando foi promulgada sua nova versão (Resolução nº 02/2015, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil), por que, ainda hoje, temos uma postura adversarial? Por que vemos no outro o adversário a ser abatido em frente ao Estado-Juiz?

 

A resposta é simples. Porque é mais fácil.

 

É mais fácil propor uma ação judicial, cheia de argumentos (ainda que vazios muitas vezes), do que retomar um diálogo. É mais fácil atacar, do que buscar entender as razões do outro (que sempre as têm). É mais fácil usar a “jurisprudência consolidada”, do que dar um telefonema e se expor ao outro na busca da autocomposição.

 

É mais fácil. Mas não que dizer que seja melhor.

 

No caso da empresa nacional vendida (cujo nome não se cita por respeito ao direito de imagem), e se os sócios houvessem sentado, com advogados colaborativos, para negociar? E se um expert em relações (um terapeuta, em geral) tivesse conduzido a conversa entre os sócios? E se houvesse um tempo hábil de tratamento extrajudicial qualificado daquele conflito? O outcome não teria sido outro?

 

A resposta é: provavelmente, sim.

As Práticas Colaborativas surgiram no início da década de 90, a partir da ideia de um advogado norte-americano, de direito de família, que, profundamente insatisfeito em ver famílias se destroçarem nos divórcios, os filhos pagarem um preço alto pela opção dos pais, e ninguém, ainda que vencedor na demanda, ser realmente um vencedor, dado o rastro negativo que litígios familiares causavam: pais se acusando, filhos perdidos em meio à batalha judicial. Ou, no dizer de Olívia Fürst, grande nome das Práticas no cenário nacional:

 

Diante destas constatações, Webb reformulou sua prática de maneira simples e revolucionária: continuava a atuar como advogado, empenhando-se na defesa dos reais interesses de seus clientes, passando, porém, a focar exclusivamente na construção de acordos, renunciando assim à opção pelo litígio.”

 

Stuart Webb frequentou a Escola de Harvard, e aprendeu sobre Negociação, e Mediação. Mas não se sentia confortável com a Mediação (há época), porque queria atuar como advogado, não como mediador, cujo neutralidade é nota fundamental.

 

Stu, como é conhecido no meio das Práticas, tinha o desejo de continuar defendendo seu cliente, mas de uma outra forma, NÃO adversarial. Redigiu uma Carta, direcionada a uma amiga juíza da Suprema Corte de Minnesota, onde elencou os elementos do que passou a chamar Advocacia Colaborativa. No introito dessa Carta, ele partilha com Sandy o seguinte raciocínio:

 Ou seja: ao invés de um ambiente notadamente hostil, que, via de regra, pode se dar nas audiências, em que uma das partes tenta abater, ou, no mínimo, neutralizar a outra, na Advocacia Colaborativa partes e advogados buscam a solução da divergência, a construção de algo novo, prospectando o futuro – aqui, há uma interseção com a Mediação, que também trabalha com a ideia de futuro.

 

Mas, o que diferencia o procedimento Colaborativo de uma tentativa de Conciliação?

 

Essa resposta dá o “tônus” da Advocacia Colaborativa: o que a diferencia de uma tentativa de conciliação, ou de uma negociação nos moldes já conhecidos é o Termo de Participação. Por meio dele, partes e advogados assinam um Termo por meio do qual as partes acordam – cliente A e seu advogado, cliente B e seu advogado, todos assinam – conduzir aquela negociação SEM A AMEAÇA DO JUDICIÁRIO batendo à porte. Todos estão imbuídos do desejo de RESOLVER A QUESTÃO, e não permitir a “escalada” do conflito com demandas e mais demandas sem resultado prático objetivo. Além disso, a Confidencialidade é a regra, sendo o ambiente ideal para se tratar de valores expressivos sem o receio de que a outra parte tire vantagem dessa informação, pois ela está ali, comprometida na solução da controvérsia.

 

Mais rápido, mais barato, e, por que não dizer, mais rentável, porque as partes refazem o caminho do diálogo, auxiliadas por seus advogados colaborativos, e, ao invés de romperem uma relação altamente frutuosa, a reconstroem, e passam a fazer negócios ainda melhores. Afinal, a bonança depende de você.

*Lizandra Colossi Oliveira é advogada especializada em resolução extrajudicial de conflitos. Membro de Comissão Cível e Empresarial Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas. Presidente da Comissão de Mediação, Arbitragem e Práticas colaborativas da OAB, Subseção Lauro de Freitas/BA. Membro do Tribunal de Ética da OAB/BA.

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