Acervo fotográfico de Anízio Carvalho será digitalizado
A memória da Bahia diante dos nossos olhos. Esta é a sensação de quem tem o privilégio de conhecer o acervo que o fotógrafo Anízio Carvalho, 86 anos, juntou ao longo de seis décadas de profissão. Num quartinho apertado na casa onde mora com a família, mas com a imensidão de um museu, estão aproximadamente seis mil negativos, centenas de livros, jornais, revistas, cartazes que contam em imagens a trajetória fotográfica deste que pode ser considerado um dos mais importantes repórteres cinematográficos do Brasil.
Atendendo a um convite do professor Emiliano José, o secretário de Cultura, Jorge Portugal foi conhecer o mini memorial e levou junto o diretor geral da Fundação Pedro Calmon, Zulu Araújo. O trio também apresentado à coleção de máquinas fotográficas com destaque para a da marca Speed Graph que Anízio ganhou quando trabalhava no Jornal da Bahia onde permaneceu por quase toda a vida. Ao se deparar com uma foto de uma lavadeira clicada na Lagoa do Abaeté, Seu Anízio foi às lágrimas, e tentou explicar o motivo da reação. “Eu não gostaria de perder nada. Guardo para minhas netas e bisnetas conhecerem a história da Bahia”. Aliás, a emoção deu a tônica do encontro.
Detalhista ao extremo, cuidadoso sem precedentes, o experiente fotógrafo tem como marca um olhar de sensibilidade sobre cenas do cotidiano da Bahia. Aos convidados contou detalhes de como conseguiu captar momentos únicos como o encontro de Dorival Caymmi, Jorge Amado e Caribé. Neste caso, a cena foi registrada num evento onde os três amigos se encontraram, mas todos os fotógrafos que estavam de plantão foram embora, e só Anízio ficou de butuca. Resultado: uma imagem eternizada em várias publicações que ele exibe orgulhoso.
Diante de tamanha riqueza, o secretário Jorge Portugal reagiu, “Cabe uma porção de coisas. Uma exposição das Memórias da Bahia, um livro que ainda não foi publicado”, anunciou.
Mas para que tudo isso aconteça é necessário recuperar as fotografias. Depois de uma avaliação, o diretor geral da Fundação Pedro Calmon disse que é possível salvar esse tesouro, “Primeiro vamos catalogar, depois higienizar, digitalizar, e por último dar curadoria para a exposição”, explicou Zulu Araújo. Este mês a equipe da FPC entra em campo com a missão de concluir o trabalho ainda este ano.
A notícia foi uma grata surpresa, mas parecia até que Seu Anízio já tinha sido avisado, ou adivinhado que a exposição um dia aconteceria. Em outro cômodo da casa ele guarda algumas fotografias reveladas por ele e já ampliadas, prontinhas para ocupar as paredes de uma galeria.
E pensar que tudo começou por acaso. Anízio Carvalho nasceu em Conceição da Feira, em 26 de fevereiro de 1930. Veio para Salvador ainda criança, na década de 40, para trabalhar na casa da família Rosenberg, formada por empresários na área de fotografia e filmagem. Donos dos os melhores estúdios, laboratórios e equipamentos de fotografia, revelação e filmagem na época. Foi aí que Seu Anízio “juntou a fome com a vontade de comer”. Teve a chance e não desperdiçou, aprendeu a arte de fotografar.
Em 1952, Leão Rosenberg demitiu alguns funcionários e, por questões financeiras, quitou as indenizações com equipamentos fotográficos. Anízio Carvalho estava nesta lista, recebeu uma câmera Rolleiflex como pagamento.
Cinco anos depois foi contratado pelo dono do Jornal da Bahia, João Falcão, para integrar a equipe, logo assumiu a chefia do departamento fotográfico, e não parou mais. Fez da fotografia profissão, fonte de sustento da família e hobby. No trabalho ou nas horas de folga, suas lentes estavam prontas para registrar o planejado ou o inusitado.
Foi assim com a famosa fotografia do joelho da monarca inglesa. “Estávamos impedidos de fotografar a rainha. Mas eu, muito esperto que era, furei a barreira e fiquei ali, em frente ao local onde o carro oficial pararia. Como a minha câmera era uma Rolleiflex, e com ela é possível fotografar com a câmera a altura da cintura, pendurada ao pescoço, foi possível roubar o clic sem demonstrar a esperteza. Esperei a rainha sair. Quando ela pôs a perna para fora do veículo, apertei o botão disparador e sem saber, ainda, se tinha feito qualquer fotografia, fui questionado por um policial da guarda que estava ao meu lado. Tentei disfarçar com uma tosse, mas parece que o militar tinha ouvido o disparar da câmera, pois perguntou se tinha feito uma foto, e claro respondi que não”.
Assim surgiu uma das cenas mais cobiçadas por jornais e revistas da época, nos quatro cantos do planeta. Seu Anízio se diverte contando a artimanha, que o tornou conhecido como o fotógrafo que revelou ao mundo o joelho imperial. E olha que esta é apenas uma das milhares de histórias que ele materializou em preto e branco!