Autorresponsabilidade e Conflito no cenário do covid-19

 Autorresponsabilidade e Conflito no cenário do covid-19

Lizandra Colossi Oliveira*

Ana Luiza Pessoa Pureur**

Ser autorresponsável é, de primeira, não jogar a culpa no outro. Não achar que todos os seus problemas derivam, única e exclusivamente, de um terceiro. É um olhar acurado para si mesmo, avaliando suas ações, omissões, falas e, até, seus pensamentos. É uma decorrência natural do autoconhecimento, que, ainda, pouco se apregoa por aí. Mas que é FUNDAMENTAL quando se trata de relação interpessoal e, mais ainda, relação interpessoal em conflito. 

Podemos compreender esse fenômeno indo um pouco mais além: assumir esta postura significa a nossa emancipação enquanto cidadãos, nos desvencilhando de certo colonialismo jurídico que insiste em nos acompanhar.

Esse colonialismo é uma instituição que estásolidamente fincada nas nossas vidas desde quando aModernidade rompeu com as sociedades pré-modernas, com a promessa de tratar a todos como iguais, por princípios de justiça, exercidos através do monopólio da produção, e distribuição do Direito pelo Estado. 

Neste cenário, o Estado passou a ter que cuidar de todas as demandas da sociedade. E a consequência disso é que, para ser coerente com esse modelo de organização política, só haveria justiça dentro do Judiciário. Não por acaso, a linguagem cotidiana trata justiça e Judiciário como sinônimos.

O litígio judicial passou a ser a forma de solução das controvérsias entre as pessoas. Afinal, o juiz, desde Montesquieu, é tido como La Bouche de La Loi – “A Boca da Lei” – ou seja, aquele que vai validar quem tem, ou não, direito. 

Séculos se passaram, e, hoje, temos uma estrutura jurisdicional em agonia, pela falta de servidores, juízes e verba, mas, também, por demandas em profusão –  muitasdas quais poderiam ser evitadas se houvesse um outro tratamento do conflito, instaurado entre as partes. 

Contudo, só se alcançará a resolução extrajudicial do conflito, ou seja, a solução da controvérsia interpartes por meio dos Métodos Adequados, se, antes, nos dotarmos de autorresponsabilidade. Ou seja, se cada um assumir sua parcela naquela situação de crise instaurada.

Se eu assumo minha parcela, se analiso o que se passa entre mim e o outro, seja ele meu esposo, meu sócio, meu funcionário, ou meu fornecedor, os “nós” da relação vão se dissolvendo, porque a minha parte eu desfiz. Auxiliado por profissionais com técnica para atingir taloutcome, eu consigo enxergar o que compete a mim, e o que competiria ao outro.

O caminho para um acordo, dessa maneira, vai se construindo de forma orgânica, e natural. Uma ponte é construída, onde, antes, havia muros…

Podemos pensar que isso é utópico, mas, em tempos de covid-19, ou aprendemos a nos comunicar, e a negociar com o outro, ou a avalanche de demandas judiciais pós quarentena será tal que o Estado-Juiz estará à beira da falência. 

Sejamos cidadãos conscientes, e autorresponsáveis. Pós-isolamento social é o mínimo que podemos esperar de nós mesmos. 

*Lizandra Colossi Oliveira é advogada, especializada em Processo Civil pela JusPodivm, pós-graduanda em Neurociências e Comportamento pela PUC-RS. Preside a Comissão de Mediação, Arbitragem e Práticas Colaborativas da OAB-Lauro de Freitas/BA. É membro da Comissão Cível e Empresarial do Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas  IBPC, da Comissão de Práticas Colaborativas do IBDFAM/BA, e do Tribunal de Ética da OAB/BA. lizandra@colossioliveira.adv.br

**Ana Luiza Pessoa Pureur é advogada, pós-graduada em Direito do Estado pela UFRGS, mediadora de conflitos formada pela CLIP e pós-graduada em Direito de Família e Mediação pela FADERGS. alppureur@gmail.com

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