‘Bolsonaro ainda não vestiu o terno de presidente’, diz Simone Tebet

O Bolsonaro precisa vestir o terno de presidente da República, que ainda não vestiu, e parar de ficar instigando a violência”, disse ao Estado a senadora Simone Tebet (MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça, no momento às voltas com a discussão da reforma da Previdência. “Sua bíblia, enquanto estiver presidente, tem que ser a Constituição”, afirmou, na tarde-noite calorenta do último dia 9, uma sexta, em seu apartamento de 360 metros quadrados, com salas espelhadas e quatro suítes, no centro de Campo Grande.
“Jamais imaginei que pudéssemos chegar onde chegamos”, disse a senadora, referindo-se ao presidente da República, que acusou de estar “à beira do limite civilizatório”, e de estar “abalando a base social do Brasil, que tem, no seu DNA, o perfil de uma sociedade pacífica e unitária”.
Indignou-a, particularmente, além da “truculência com o Congresso”, a defesa presidencial de um coronel torturador judicialmente condenado, o falecido Brilhante Ustra, recentemente promovido a “herói da pátria”. Lembrou-se, contou, da primeira celebração de Ustra, no voto de Bolsonaro pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, em abril de 2016. “Aquilo já me arrepiou, de tão absurdo”, disse. Ela também, como se sabe, foi uma defensora entusiasmada da cassação da petista pelo Senado. “Não me arrependi”, afirmou.
Acha absurdo, também, o presidente estar acenando com a indicação do filho Eduardo, deputado federal, para ser embaixador nos Estados Unidos – se tiver a aprovação do Senado. “É um risco total do presidente, porque ele sabe que o menino acabou de fazer 35 anos, não conhece o mundo, não conhece geopolítica como um embaixador de carreira, e será muito mais provocado durante a sabatina pela mais alta corte do Parlamento”, disse a senadora. Não quis dar palpite sobre o resultado da votação, mas lembrou duas evidências facilitadoras para o aval: a força do governo, “que pesa”, e o quórum por maioria simples. “Eu votarei contra”, declarou. “E estou convencendo mais senadores a fazer o mesmo.”
Quando não está no Senado ou no apartamento funcional, em Brasília, onde fica por três ou quatro dias da semana, a senadora Tebet está no apartamento do 18º andar, com uma bela vista para uma cidade de ainda poucos edifícios e horizonte largo. Mora com o marido – o deputado estadual Eduardo Rocha, também do MDB -, e as duas filhas. Maria Eduarda, 18, estuda Direito e toca de vez em quando o piano Fritz Dobbert da sala de estar. A senadora também aprendeu a tocar, faz muito tempo, mas esqueceu. “Só toco o bife”, explicou, referindo-se à música famosa pelo comercial do Danoninho, tocada com um dedo de cada mão. Não quis demonstrar. A outra filha, Maria Fernanda, 21, estuda Comunicação em São Paulo.
“Somos uma família feliz”, disse a mãe. A imensidão do apartamento sempre ajuda. “Quando ele come demais no jantar, e ronca, vai dormir em outra suíte”, contou a senadora. Ele, no caso, é o marido, que ouve o chiste com bom humor. Somando os sete anos de namoro, são trinta anos de lida. São ricos, ambos, donos de uma boa carteira imobiliária, que inclui fazendas com grande produção de cana, administradas pelo marido empresário e deputado.
Rocha votou em Bolsonaro, embora não seja um entusiasta. Já a senadora, que foi de Henrique Meirelles no primeiro turno, não revela em quem votou no segundo. “Se eu contar, eu não ando mais na rua por aqui”, exagerou, lembrando que Campo Grande, capital do agronegócio, elegeu Bolsonaro com 71,27% dos votos (foram 65,22% em todo o Estado). Foi de Fernando Haddad, então? “Eu fiquei embretada”, disse, no sotaque da terra. “Posso ter ido nas quatro opções: nulo, branco, Haddad ou Bolsonaro””, é o máximo que diz, bebericando um suco de groselha no algo bagunçado quarto de estudos de Maria Eduarda.
Patriarca
Estão à vista, entre livros de Direito, duas fotos da filha com o avô materno, Ramez Tebet, o patriarca da família de origem libanesa fixada em Três Lagoas – a 330 quilômetros de Campo Grande, com estimados 96 mil habitantes, -, onde Simone também nasceu, primeira de quatro irmãos. Tebet pai, falecido em 2006, foi advogado, promotor, prefeito de Três Lagoas, governador do Estado por dez meses, senador, ministro de Fernando Henrique Cardoso, e presidente do Congresso Nacional. Foi nessa condição que deu posse ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, até emprestando-lhe a caneta para assinar o termo, como entrou para a história, e, a caneta do três-lagoense, para o acervo presidencial.
Lula, hoje preso da operação Lava Jato, compareceu ao enterro de Ramez Tebet. E esteve uma vez em Três Lagoas, prestigiando um empreendimento da prefeita. “Tive um bom relacionamento com o presidente Lula durante seu primeiro mandato”, disse. Sobre o ex-presidente estar sentenciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro – com recursos em tramitação -, a senadora considerou, como advogada, que “quando se trata de Justiça, a obediência ao devido processo legal é tão importante quanto à evidencia material dos fatos”.