Coaf esvazia produção de relatórios e enfrenta paralisia após decisão de Toffoli
A polêmica decisão do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, que restringiu a utilização de relatórios do antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) fez as atividades do órgão de inteligência financeira despencarem no último mês.
Junto com a determinação do STF, as sucessivas mudanças de subordinação têm provocado paralisia no conselho, recém-batizado de UIF (Unidade de Inteligência Financeira) pelo governo Jair Bolsonaro (PSL) e transferido para a alçada do Banco Central.
Em agosto, o órgão elaborou apenas 136 documentos RIFs (relatórios de inteligência financeira), caindo a índices que existiam em período anterior à Operação Lava Jato. Na média do primeiro semestre, eram 741 por mês.
A redução das atividades chama ainda mais a atenção por ser no ano em que a equipe do Coaf passou a ter seu maior efetivo na história. Sob comando do ministro Sergio Moro (Justiça), que enfatizava a relevância do órgão no combate à corrupção, ela passou de 35 para 72 funcionários.
Na decisão tomada em julho, Toffoli determinou a suspensão de investigações criminais pelo país que usem dados detalhados de órgãos de controle (como Coaf e Receita Federal) sem autorização judicial, atendendo a pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho mais velho do presidente da República.
A principal atuação do conselho era a produção de relatórios de inteligência que apontam operações financeiras suspeitas, o que é considerado essencial por investigadores em temas variados.
Com a situação jurídica indefinida, informações recebidas sobre movimentações suspeitas têm sido represadas, segundo pessoas ligadas ao órgão ouvidas pela reportagem.
Membros do Coaf avaliam que a determinação de Toffoli gerou incertezas que impactam na produção, porque não está clara a maneira com que eles podem atuar e de que forma podem fazer os documentos.
Por isso, a demanda de investigadores por relatórios diminuiu, o que também contribui para explicar a queda nas atividades do órgão.
Paralelamente à situação de engessamento no Coaf, a Polícia Federal também passa por uma crise semelhante, desde que o presidente Jair Bolsonaro ameaçou demitir o diretor-geral, Maurício Valeixo.
Conforme publicou o jornal Folha de S.Paulo no último dia 14, a PF aguarda um posicionamento de Moro para seguir com projetos e evitar sua paralisia.
No caso do Coaf, as trocas de ministérios também representaram internamente uma interferência política. No início do ano, ele foi para o Ministério da Justiça, depois voltou para o da Economia por decisão do Congresso e, no mês passado, por ordem de Bolsonaro, foi para o Banco Central, onde também mudou de comando.
A queda de elaboração dos RIFs começou a ocorrer no próprio mês de julho, após a decisão do STF.
Antes das mudanças e da decisão judicial, o Coaf havia registrado, em 2019, a maior produção de relatórios da série histórica, que começou em 2007, considerando os seis primeiros meses do ano -foram 4.449 relatórios produzidos no período.
Nessa época, a instituição estava sob o comando do auditor da Receita Federal Roberto Leonel, exonerado no mês passado.
Ele havia sido nomeado por Moro para aproximar o conselho das investigações, dando maior dinâmica para transmitir informações, com a justificativa de fortalecer o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro.
A decisão do presidente do STF foi tomada em 15 de julho a pedido de Flávio Bolsonaro, que se tornou alvo de investigação a partir de informações do Coaf -depois disso, a Justiça do Rio autorizou a quebra de sigilo bancário.
As suspeitas tiveram origem na movimentação atípica de R$ 1,2 milhão nas contas de seu ex-assessor Fabrício Queiroz de janeiro de 2016 a janeiro de 2017.
Toffoli afirmou que o plenário do STF já havia decidido anteriormente, quando julgou ações que discutiam o repasse de dados pela Receita Federal, que “o acesso às operações bancárias se limita à identificação dos titulares das operações e dos montantes globais mensalmente movimentados, ou seja, dados genéricos e cadastrais dos correntistas”.
A decisão do presidente do Supremo ainda vai ser analisada pelo plenário, com previsão de entrar na pauta em 21 de novembro.
Enquanto isso, o Coaf não sabe o que fazer com as informações que recebe.
Os relatórios do órgão são análises de inteligência financeira decorrentes de comunicações enviadas por setores obrigados por lei, como bancos, joalherias e outros.
O resultado do trabalho, que tem o objetivo de detectar a existência de indícios de lavagem de dinheiro, é enviado para autoridades competentes.
Havia dois caminhos para a produção dos RIFs: por iniciativa do órgão ou para atender autoridades de investigação.
De acordo com informações disponibilizadas pelo conselho, esses relatórios auxiliam inquéritos sobre corrupção, tráfico de drogas, sonegação fiscal, tráfico de pessoas, exploração ilegal de minério, crimes contra o sistema financeiro, fraudes, facções criminosas e terrorismo.
No fim do mês passado, por meio de nota, o Coaf disse que, por precaução, solicitaria à sua assessoria jurídica uma análise sobre como devem ser elaborados esses relatórios, uma vez que decisão de Toffoli não trouxe determinações específicas.
O presidente do Supremo disse que sua determinação não impediria o repasse de dados globais.
Para o conselho, porém, os compartilhamentos somente de dados genéricos inviabiliza o cumprimento do dever legal do órgão.
“Ao Coaf interessa conhecer aspectos qualitativos de operações consideradas suspeitas, como as partes envolvidas, o valor negociado, a forma de sua realização, os instrumentos utilizados -elementos essenciais para definir se há, efetivamente, fundados indícios da prática de ilícitos a serem comunicados às autoridades competentes”, afirmou em nota enviada à reportagem em julho.
Questionado na terça (17), o órgão não informou, no entanto, qual foi o parecer da equipe jurídica e não explicou como tem atuado desde então.
O conselho rebatizado de UIF foi transferido ao Banco Central por meio de uma medida provisória de Bolsonaro, que, agora, precisa ser aprovada no Congresso para que se torne definitiva.
Embora a equipe trazida no início do ano tenha sido mantida após a exoneração de Leonel, não se sabe se o mesmo grupo permanecerá após a MP ser votada.
O novo presidente, Ricardo Liáo, tem falado pouco internamente sobre o futuro e evitado a imprensa. Ele assumiu após Leonel sofrer desgaste por, entre outras coisas, se queixar de forma pública da decisão do Supremo. A reportagem enviou sete perguntas ao Coaf, mas nenhuma foi respondida.
O VAIVÉM DO COAF
MP da reforma ministerial
Em janeiro, o governo Bolsonaro transferiu o Coaf, antes no Ministério da Fazenda (hoje Economia), para o Ministério da Justiça, chefiado por Sergio Moro. A justificativa do Planalto era que, sob Moro, o conselho poderia atuar de forma mais eficaz no combate à corrupção e ao crime organizado
Barrado no Congresso
Na votação da MP, em maio, Câmara e Senado devolveram o Coaf à pasta da Economia, de Paulo Guedes
Banco Central
Por meio de nova MP, em agosto, Bolsonaro deixou o conselho com o BC, sob o argumento de que isso dará autonomia ao Coaf e deixará o órgão livre de pressões políticas. A medida ainda precisa ser aprovada no Congresso
RAIO-X
Presidente
Ricardo Liáo, servidor do Banco Central
Criação
Em 1998, pela lei dos crimes de lavagem