Compra de imóveis em Portugal por brasileiros dispara na crise
O mercado imobiliário português se tornou uma válvula de escape para a crise financeira no Brasil. Desde que a economia nacional entrou em queda, a compra de imóveis por brasileiros do outro lado do Atlântico disparou, levando o Brasil ao primeiro lugar entre os países de fora da União Europeia em volume de investimento nesse setor em Portugal.
De acordo com o Gabinete de Estudos da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (Apemip), no segundo trimestre de 2016 os brasileiros ultrapassaram os chineses no número de imóveis adquiridos em Portugal, ficando atrás apenas dos investidores britânicos e franceses.
Oficialmente, os brasileiros são responsáveis por 10% do investimento estrangeiro no setor imobiliário português, enquanto os britânicos somam 19% e os franceses correspondem a 25%.
O número real desse investimento, no entanto, tende a ser consideravelmente maior, já que, de acordo com a própria Apemip, os brasileiros que possuem nacionalidade de um dos países da União Europeia constam nas estatísticas como cidadãos comunitários.
“Há quatro anos, no Brasil só se falava em Miami, mas as coisas mudaram muito desde então. Os brasileiros finalmente resolveram vir para Portugal e descobriram um país que os acolhe muito bem”, afirma o empresário Rafael Ascenso, sócio da imobiliária Porta da Frente, que nos últimos anos apostou em atrair os brasileiros para o mercado imobiliário luso, uma estratégia que garante ser muito bem-sucedida.
“Nós realizamos cerca de 10 viagens por ano ao Brasil para participar de encontros e eventos ligados ao setor, e o resultado é ótimo. Cerca de 40% do nosso volume de negócios hoje vem do Brasil, o que significa que vendemos mais imóveis para brasileiros do que para portugueses”, diz Ascenso.
‘Empurrados’ pelos problemas internos
O aumento do investimento brasileiro em Portugal no momento em que a crise doméstica se acentuou não é uma coincidência. Segundo Luís Lima, presidente da Apemip, existe uma correlação entre o dinheiro que sai com destino ao outro lado do Atlântico e o momento conturbado que o país atravessa.
“Há dois anos digo publicamente que o investimento brasileiro tem um enorme potencial para o nosso imobiliário. A procura se acentuou ainda mais devido à crise econômica, política e social que o Brasil atravessa. Não há dúvida de que os investidores brasileiros estão a encaminhar seus investimentos para Portugal”, afirma.
Segundo especialistas no setor, por trás dessa tendência estão a estabilidade do euro e o baixo custo de um imóvel em Portugal, em comparação com outros países europeus.
“Olhando sob o ponto de vista do investidor brasileiro, é um negócio vantajoso. O investidor compra um bem material na Europa, avaliado em euro, o que protege o patrimônio da desvalorização do real. E está comprando o segundo metro quadrado mais barato da EU, atrás apenas da Grécia”, diz o analista de investimento Renato Breia, sócio da Empiricus, uma empresa independente de consultoria financeira com escritórios em Lisboa e no Brasil.
Analistas explicam que os brasileiros investem no mercado imobiliário português com duas motivações diferentes. A primeira delas é o investimento puro e simples, em que o comprador continua a viver no Brasil, mas quer diversificar seu patrimônio e conseguir uma renda no exterior. No segundo caso estão os que querem deixar o país para viver na Europa.
“Muito brasileiros vêm para Portugal já como aposentados. São pessoas que conseguiram construir um certo patrimônio no Brasil, o que lhes confere uma renda fixa. Eles transferem esta renda para cá e têm uma qualidade de vida muito melhor do que teriam no Brasil”, opina Breia.
O Governo português incentiva o investimento estrangeiro no setor imobiliário com a concessão de um título de residência especial, chamado Visto Gold. Os nacionais de países que não fazem parte da União Europeia, como é o caso do Brasil, recebem uma autorização de residência de cinco anos se investirem a partir de 500 mil euros (cerca de R$ 1,83 milhão) em imóveis. Se o estrangeiro comprar um imóvel para reabilitação em um bairro antigo, o valor exigido cai para 300 mil euros (aproximadamente R$ 1,1 milhão no câmbio atual).
Além do valor mais baixo exigido para conceder o visto de residência de longa duração, quem opta pelos imóveis que precisam passar por recuperação também são beneficiados pela isenção de impostos.
“Quando o investidor compra um imóvel para reforma, pode ficar isento do imposto cobrado no ato de passar a escritura, que pode chegar aos 6% do valor da propriedade. Além disso, este imóvel pode ficar isento por cinco ou sete anos do imposto português equivalente ao IPTU do Brasil”, explica Rafael Ascenso.
Reabilitar para lucrar
Os imóveis para reforma têm sido os preferidos para o investimento estrangeiro, o que inclui os brasileiros que veem em Portugal uma oportunidade de negócios. Isso acontece porque, além do incentivo fiscal, a maioria desses prédios está localizada nos bairros históricos das grandes cidades, que valorizaram-se muito nos últimos três anos com o aumento do turismo no país europeu.
“Os brasileiros interessados em investir com a intenção de obter um retorno em curto prazo devem focar suas atenções nesses bairros que estão na moda, porque a chance de alugarem o imóvel são muito maiores”, opina Renato Breia.
A euforia sobre as possibilidades geradas pelo investimento em prédios nos bairros históricos justifica-se pelos números.
Segundo associações locais ligadas ao setor, os imóveis no centro de Lisboa, por exemplo, registraram uma valorização média de 20% desde 2014. Já o preço do aluguel na região subiu entre 30% e 40% nesse mesmo período.
Por trás desta disparada está a aposta no aluguel temporário para turistas através de plataformas online, como 9Flats, Airbnb e Wimdu. Em fevereiro de 2015, havia 7,9 mil apartamentos registrados com a finalidade de hospedar visitantes em Portugal. Em maio de 2016, esse número havia saltado para 26,9 mil apartamentos.
“As taxas de juros na Europa são muito baixas, então o dinheiro praticamente não rende quando fica parado no banco. O investimento em imóveis traz um rendimento razoável nesse cenário, na casa de 5% ou 6%, por ano, no aluguel convencional”, explica Breia.
No caso do aluguel temporário, a rentabilidade pode chegar atualmente aos 10% por ano. Isso acontece porque os imóveis alugados por longos períodos estão sujeitos a impostos em torno de 28%, enquanto o arrendamento de fim de semana paga apenas 5% de tributos.
Risco de bolha
Com o aquecimento do mercado nos últimos anos, começaram a surgir na imprensa local especulações de que Portugal estaria prestes a ser vítima de uma bolha imobiliária.
Especialistas no setor, no entanto, refutam essa possibilidade e creditam à recuperação econômica o crescimento recente do setor.
“O mercado imobiliário despencou 20% com a crise financeira de 2008. Essa queda foi recuperada até o princípio de 2015 e desde então a valorização acontece de forma sustentada”, argumenta Rafael Ascenso.
“A bolha clássica tem outros critérios aos que percebemos no mercado português. O que se vive aqui é uma recuperação muito forte de preços impulsionada pelo turismo, que está num momento de alta em Portugal, e pelo aumento do investimento estrangeiro, como é o caso dos brasileiros”, complementa Renato Breia.
Na opinião dos especialistas, o mercado português é maduro o suficiente para crescer de maneira sustentável e consolidada nos próximos anos, mas isso não significa que não existam armadilhas para quem está considerando investir no país no europeu.
Segundo o Renato Breia, é preciso cautela antes de enviar o dinheiro para o outro lado do Atlântico. “Ainda há muitas oportunidades de negócio, mas é necessário garimpar bem dentro das opções disponíveis. É preciso fazer uma análise mais profunda da realidade local, conversar com o maior número de pessoas que puder antes de tomar uma decisão”, aconselha.
“O ideal é vir a Portugal e gastar a sola do sapato, sem isso é impossível fazer um bom negócio. Quando um mercado está tão aquecido quanto o português, a probabilidade de o investidor fazer uma bobagem é muito grande”, opina o analista brasileiro radicado em Lisboa.