Donos de sítio em que idoso foi resgatado devem prestar depoimento nesta sexta
Os proprietários do sítio em que um idoso foi encontrado vivendo em situação degradante no bairro de Cassange, em Salvador, vão ser ouvidos pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego na Bahia (SRTE-BA) na manhã desta sexta-feira (2). Ester e Fernando, cujos sobrenomes não foram divulgados, teriam empregado Juquinha (nome pelo qual o idoso é conhecido) como caseiro há cerca de 30 anos. Após a morte de Fernando, Ester e os filhos se tornaram os novos proprietários do sítio, mas teriam abandonado o local e, mais recentemente, o colocado à venda.
Sem ter para onde ir, Juquinha permaneceu lá até a última semana, quando foi abrigado por vizinhos que ficaram inconformados com seu estado e denunciaram o caso ao Ministério Público do Trabalho (MPT-BA), que deflagrou a operação.
O idoso dormia em uma casa que se encontrava em “condições deploráveis, com muito lixo e sujeira acumulados, sem fornecimento de água, nem energia”. Também não havia banheiro nem um local adequado para cozinhar e fazer refeições.
“Esse resgate, pelo que eu ouvi da coordenadora, foi um dos piores trabalhos domésticos [degradantes] que nós resgatamos. Nunca vi uma desumanidade e uma falta de amor ao próximo tão grande. A água que ele tomava banho estava cheia de larvas, ele tomava café com farinha e, às vezes, com resto de cuscuz que deixavam para ele”, relata Admar Jr., coordenador de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Combate ao Trabalho Escravo, da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia (SJDH), que acompanhou o resgate da vítima.
Após ser retirado do local, o idoso foi encaminhado para um abrigo privado em Lauro de Freitas.
Coordenador da Secretaria de Políticas Afirmativas, Direitos Humanos e Igualdade Racial (SEPADHIR), de Lauro de Freitas, e do Núcleo Municipal de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Contrabando de Migrantes do Estado (NETP), Glaucio Morais detalhou as primeiras impressões e informações que obteve da vítima após o resgate. “Primeiro nós fizemos todos os exames nele, porque ele nunca tinha ido ao médico. Ele não sabe o nome dele, não sabe a idade, nem o nome de pai ou mãe. Ele lembra que teve duas mulheres e dois filhos, mas não lembra mais se os filhos estão vivos”, afirma.
Alegando se chamar Everaldo, Juquinha tem idade aproximada de 68 anos e disse também que foi trazido da zona rural de Araçás, no interior baiano. “Ele fala, mas nós não sabemos se é verdade ou não. Nossa equipe de psicólogas e assistente social faz várias abordagens com calma, para não atrapalhar a mente dele”, acrescenta Glaucio. Ainda segundo ele, a equipe do NETP vai aguardar até amanhã para encontrar alguém que saiba do paradeiro da família de Juquinha.
Quem tiver conhecimento sobre a identidade de Juquinha ou informações sobre sua família pode entrar em contato através do telefone (71) 99923-1001, que funciona como Disk Denúncia e WhatsApp do NETP. Glaucio afirma que, caso ninguém entre em contato, o NETP vai até o município de Araçás ainda nesta semana. A urgência em identificar Juquinha é grande porque esse passo é fundamental para o MPT ter condições de pedir a aposentadoria imediata do idoso e emitir toda a sua documentação.
Próximos passos
Depois de identificados, os atuais proprietários do sítio receberam notificação para que seja prestado depoimento nesta sexta e apresentados documentos relativos ao trabalhador, como comprovação do pagamento de salários e inscrição no e-social para comprovação de recolhimento do INSS. Após essa etapa e, caso seja constatado o vínculo empregatício, o MPT vai verificar se os empregadores têm condições financeiras de arcar com pagamentos de danos à vítima.
“Se porventura não tiverem essas condições, já estamos vendo com INSS a aposentadoria dele. Ele tem um auxílio BPC (Benefício de Prestação Continuada) e vamos ver as ajudas que ele possa ter nas políticas do Sistema Único de Assistência Social (SUAS)”, explicou Ademar Jr.
No que compete à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego na Bahia, a auditora fiscal do trabalho, Liane Durão, afirma que, caso o trabalho seja constatado, os empregadores podem ser multados. “Havendo trabalho, todas as irregularidades que nós constatarmos na inspeção ou na análise de sistemas, documentos e depoimentos fornecidos serão consideradas infrações. O empregador tem um prazo para se defender, mas se forem julgadas procedentes as infrações, recebe uma multa por cada ato de infração”, aponta.
Procurado pela reportagem, o MPT disse que não daria entrevista para não atrapalhar a investigação do caso. Contudo, de acordo com a assessoria de comunicação da instituição, 241 pessoas já foram resgatadas de trabalhos degradantes, trabalhos análogos à escravidão ou trabalho escravo na Bahia desde o início de 2023. Ainda de acordo com a assessoria, o número não é exato por atraso em atualizações estatísticas no sistema.