Ingerência de Bolsonaro fere governança de Petrobras e BB, dizem especialistas

 Ingerência de Bolsonaro fere governança de Petrobras e BB, dizem especialistas

Os episódios de ingerência do presidente Jair Bolsonaro em empresas estatais, como Petrobras e Banco do Brasil, mostram que o governo continua distante das boas práticas corporativas e, assim como seus antecessores, mistura questões ideológicas com políticas públicas. Essa é a avaliação de especialistas na área de governança e gestão pública.

Como revelou a Folha de S.Paulo, a Petrobras cancelou na terça (6) um contrato com o escritório do presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz. O episódio ocorre na semana seguinte a Bolsonaro ter atacado o advogado, cujo pai desapareceu durante a ditadura militar (1964-1985).

Nesta quarta (7), o presidente defendeu a revisão do contrato e disse ter tratado pessoalmente do assunto. “Eu havia falado já, nem era para ter esse contrato. Não é porque era ele, é porque a Petrobras não precisa disso: dar dinheiro para um cara da OAB que recebe recursos bilionários e não é auditado por ninguém”, afirmou o presidente.

A Ordem cobra uma taxa de seus associados, mas os recursos vão para o caixa da instituição e não para a pessoa física do presidente da entidade. Bolsonaro disse que o contrato não era necessário. No ano passado, o escritório do presidente da OAB venceu uma causa trabalhista estimada em R$ 5 bilhões sobre horas extras atrasadas a funcionários em plataformas de petróleo da companhia.

O presidente disse que outros contratos também serão revistos, entre eles, um acordo de publicidade da estatal com a equipe britânica de Fórmula 1 McLaren de cerca de R$ 600 milhões em cinco anos. Sérgio Lazzarini, professor do Insper, afirma que o Brasil continuar a demonstrar que não tem maturidade institucional para gerir estatais. Diz também que as pessoas muitas vezes pensam que o governo deve ter liberdade para influenciar diretamente na gestão das empresas, desprezando instâncias formais de governança, como diretoria e conselho de administração.

“Intencionalmente ou não, as pessoas não percebem que estão se engajando em práticas que condenavam antes. Ao fazer intervenções diretas, você está tirando a autonomia gerencial. Quando ele fala que o Banco do Brasil não tem de fazer uma propaganda porque ele não gosta dela, está fazendo a mesma coisa que outra pessoa de outro espectro ideológico”, afirma.

Em abril, o presidente do BB acatou um pedido de Bolsonaro e demitiu um diretor do banco por causa de uma campanha publicitária dirigida ao público jovem com atores que representavam a diversidade racial e sexual. As duas empresas, Petrobras e BB, são controladas pelo governo, mas têm ações negociadas na Bolsa de Valores e parte do capital está nas mãos de acionistas privados.

Para Lazzarini, os acionistas têm sido tolerantes com essa postura, ao contrário de ocorreu na época das intervenções feitas no governo Dilma Rousseff, que deram prejuízos à Petrobras, por exemplo. “A ex-presidente Dilma fez intervenções que, na visão dela, corrigiam uma linha privatista”, afirma. “Para o presidente Bolsonaro, a questão é familiar, pessoal e ideológica.”

Na Bolsa, o dia foi de queda no preço das ações da Petrobras. A ação preferencial, mais negociada, caiu 1%, e a ordinária, com direito a voto, teve retração 0,66%. No entanto, as cotações refletiram principalmente a queda no preço do petróleo. O barril do tipo Brent recuou 2,5% com o cenário de piora na guerra comercial entre EUA e China e aumento dos estoques americanos.

Os principais relatórios de analistas do mercado financeiro não mencionaram a interferência de Bolsonaro na estatal. Quem conhece o setor há anos diz que o silêncio é uma questão de pragmatismo. “Os analistas até aceitam alguns deslizes do Planalto na governança de estatais. Se não atrapalhar o avanço da proposta liberal de menos governo e mais mercado, convive-se”, diz José Francisco de Lima Gonçalves, economista chefe do Banco Fator.

A diretora-geral do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), Heloisa Bedicks, afirma que esses episódios mostram que o governo ainda tem pouco conhecimento sobre as boas práticas de gestão empresarial. “Temos de trabalhar um entendimento das melhores práticas de governança também para as pessoas que governam nosso país. Isso tem de ser melhor divulgado até para os níveis mais altos no nosso governo”, afirma.

Heloisa diz que as estatais possuem conselhos de administração com representantes de fora do governo, que poderiam comprar a briga política, exercer sua independência e reavaliar esses episódios. Para ela, o tipo de ingerência estatal mudou. Não está ligado, neste momento, à indicação de pessoas com objetivo de desvio de recursos, mas continua a atender a objetivos particulares, e não públicos. “Mesmo que não seja para corrupção, a ingerência pode favorecer uma agenda eleitoral”, afirma Heloisa.

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