Modus operandi da chantagem: Arthur Lira repete tática de Eduardo Cunha e vira ameaça ao governo Lula
O equilíbrio e a harmonia entre os poderes têm passado longe da relação entre a Câmara dos Deputados e o Palácio do Planalto nos últimos meses. Os leitores mais atentos dirão que isso não é novidade na história da democracia brasileira e haveremos de concordar. Afinal, não é preciso ter tanta idade e perspicácia para lembrar das ameaças feitas pelo então presidente da Casa, Eduardo Cunha (MDB), contra a presidente Dilma Rousseff (PT) durante o segundo mandato da petista. Mas, dessa vez, os protagonistas do cabo de guerra são outros: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual presidente da Câmara, o deputado alagoana Arthur Lira (PP).
Recados e ameaças
Talvez até tanto quanto o próprio presidente, Lira tem protagonizado os noticiários. É bem verdade que entre os temas está uma operação da Polícia Federal contra aliados dele e ainda uma denúncia de corrupção que corria no Supremo Tribunal Federal (STF) e foi arquivada na última terça-feira (6). Mas o jeitinho escancarado e sem melindres de mandar recados para o governo Lula é o que tem chamado a atenção. Foi na última semana, durante as negociações para a aprovação da chamada MP dos Ministérios, que o cabo de guerra entre os dois tensionou de vez. Em um jogo de pressão, o parlamentar disse que o Congresso não poderia ser culpado por uma eventual derrota porque o problema estava no Planalto.
Após negociação do próprio presidente, a MP foi aprovada, mas com mais um recado: “daqui pra frente o governo anda com as próprias pernas”. Por trás do discurso de que falta articulação política do governo, está a cobrança do centrão por agilidade na liberação de emendas e na nomeação de cargos. Mas não é só isso que Lira quer. Pelo menos por ora, ele quer retomar o controle do orçamento da União – o que o Planalto já avisou que não vai acontecer – e quer que aliados seus assumam o Ministério da Saúde e as três pastas hoje comandadas pelo União Brasil.
O desgaste já rendeu derrotas importantes ao governo, como o Marco Temporal, o Marco do Saneamento e as CPI’s do 8 de Janeiro e a do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Mas pode causar ainda mais prejuízos e entraves em outras importantes votações, como a da reforma tributária.
Semelhança ou coincidência
Agora, as figurinhas de Lira e Cunha voltam a se encontrar nos álbuns de analistas políticos. Desta vez, sua postura intransigente é comparada à do ex-MDB no governo Dilma. À época, o então presidente da Câmara também não poupava chantagens para defender seus interesses e angariar cargos. De pautas-bomba até abertura de impeachment. Tudo também escancaradamente. Dilma não cedeu. Entrou em rota de colisão e acabou caindo em 2016.
Apesar das semelhanças, a história é diferente. O próprio Lira já rechaçou a comparação e até encerrou um encontro com o ministro Alexandre Padilha quando percebeu que a conversa estava enveredando para este lado. A verdade é que a história esbarra na força política de Lula. Rodrigo Maia, presidente da Câmara no período entre os comandos de Lira e Cunha, também descarta a comparação. “Não tem comparação. O presidente Lula é, de fato, o político com mais força de toda a história brasileira”, disse em entrevista à GloboNews.
Do outro lado da truculência
Enquanto o modus operandi de Cunha e Lira é a pressão com pitadas de chantagem, Maia foi menos incisivo. Apesar das trocas de farpas com Bolsonaro e ser alvo dos favoritos dos bolsonaristas, ele nunca entrou em rota de colisão. Sob seu comando, a Câmara recebeu 66 pedidos de impeachment contra o ex-militar, mas o parlamentar manteve na gaveta. Em entrevista à Metropoleem 2020, ele chegou a justificar que isso aprofundaria ainda mais a crise provocada pela pandemia.
Hoje, Maia é presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, já Cunha até tentou voltar à Casa em 2022, mas fracassou. A força é efêmera. Para Lira, a validade pode ser até 2024, quando se encerra seu biênio na presidência.