Mortes por coronavírus podem dobrar em 20 dias sem medidas de contenção, diz USP

 Mortes por coronavírus podem dobrar em 20 dias sem medidas de contenção, diz USP

Setenta e quatro dias depois da confirmação do primeiro caso de coronavírus no Brasil, o país chegou ao domingo com mais de 10 mil mortos pela doença. Em média, 185 pessoas perderam a vida por dia desde que o primeiro óbito foi registrado no país, em 17 de março. Simulações feitas por um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) voltado para identificar quando o país atingirá o pico de infecções apontam que o número de mortes poderá dobrar nos próximos 20 dias e o de infectados alcançar cerca de 400 mil até o dia 5 de junho, caso não sejam tomadas medidas de contenção da transmissão do vírus.

O cálculo da estimativa é do estatístico Carlos Alberto Bragança Pereira, especialista na área de aplicações médicas e biológicas, do grupo da USP, que também inclui professores da Faculdade de Economia e Administração (FEA) e da Faculdade de Saúde Pública. Coordenados pelo diretor do Instituto de Matemática e Estatística da USP, Junior Barreira, eles se debruçam sobre os números da pandemia na tentativa de identificar quando o país atingirá o pico de infecções, a partir do qual as curvas de casos e óbitos entrarão em declínio, sinalizando para um possível afrouxamento das regras de isolamento social.

Avanço da epidemia do coronavírus Foto: Editoria de Arte

Pereira, que também é professor visitante da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), utiliza um modelo de cálculo de análise de sobrevivência, batizado de Weibull, que leva em conta o número de infecções e, nos casos em que há mortes, o período de sobrevida ao vírus.

É como um painel de lâmpadas acesas, explica ele. A observação começa quando a lâmpada falha (no caso, quando o indivíduo contrai a infecção). Os parâmetros de análise são os números oficiais de infectados e de mortos no país, que mudam diariamente. Com base neles, o cenário futuro é desenhado diariamente.

China como modelo

Pereira testou o modelo de cálculo com os dados da China, onde a pandemia começou e que começa a retomar a normalidade, e os resultados confirmaram o que tem ocorrido no Brasil. Modelos estatísticos como este da equipe da USP são usados para medir desde a confiabilidade de sistemas, na área industrial, até para avaliar remédios mais eficazes para determinadas doenças, por exemplo.

O comportamento da Covid-19 varia em cada estado. Segundo a estimativa de Pereira, no Rio o pico da doença pode acontecer em data tão distante quanto em meados de agosto, com cerca de 100 mil contaminações. Até o início de junho, as mortes na cidade, de acordo com o cálculo, podem somar entre 3 mil e 5 mil.

Já em São Paulo, epicentro da Covid-19 no país, o pico deve ocorrer no fim deste mês, com o número de casos variando entre 135 mil e 160 mil. As mortes podem chegar a cerca de 6 mil em vinte dias. Até esta sexta, o Estado registrava 3.416 mortes.

Justamente por conta destes números e projeções é que o médico sanitarista Oswaldo Yoshimi Tanaka, diretor da Faculdade de Saúde Pública da USP, defende o isolamento social no Brasil como única forma de evitar que mais pessoas morram à espera de uma vaga em UTI e de um respirador, como já tem ocorrido em capitais como Manaus (AM). Num momento em que a interiorização da doença é cada vez mais visível, ele explica que é inviável manter leitos de UTI em municípios com menos de 70 mil habitantes, pela complexidade do serviço, o que obviamente obriga os infectados a serem deslocados para cidades maiores.

Além disso, não faltam no país apenas leitos de UTI, mas também profissionais capacitados para a técnica de intubação dos pacientes.

— O profissional não pode titubear. Isso exige muito treinamento. Se demorar 10 minutos para entubar, o paciente morre. O prazo máximo da intubação é de três minutos — diz ele.

Questão de ética

O diretor da Faculdade de Saúde Pública da USP lembra ainda que somos um país desigual e a população mais desfavorecida é a que vai morrer mais rapidamente.

— Se todos pegarem de uma vez, vão morrer sem chegar a uma UTI. O isolamento é uma questão ética, moral e de humanidade — diz o especialista.

O grupo de pesquisadores da USP está em negociação com o governo de São Paulo para abrir um novo flanco de análise de dados do estado. Para o professor José Afonso Mazzon, da FEA, o cruzamento de dados de saúde e de mobilidade com indicadores econômicos permitirá ao governo de São Paulo e à prefeitura da capital saber onde e como alocar recursos para o período posterior à pandemia, além de poder decidir com mais segurança onde afrouxar primeiro as regras de isolamento social.

A ideia é mostrar quais os municípios paulistas e quais distritos da capital precisam concentrar os investimentos em suporte de saúde e de recuperação econômica.

Isso poderá ser feito com dados econômicos, a serem extraídos das notas fiscais eletrônicas, que poderão indicar quais municípios e distritos tiveram atividades econômicas mais impactadas e quais são elas, por região geográfica.

— Esses dados econômicos vão indicar onde será preciso concentrar os investimentos sociais. Os locais mais impactados terão necessidade de mais apoio à população, como distribuição de cestas básicas e programas de emprego — diz Mazzon.

O avanço da doença no país aumentou o debate em torno da necessidade de um isolamento social mais rígido, o lockdown. Pelo menos três estados já adotaram a medida na região metropolitana das capitais (Ceará, Maranhão e Pará) e Rio e São Paulo não descartam a medida.

 

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