Morto no Corredor da Vitória estava em liberdade há cinco meses

 Morto no Corredor da Vitória estava em liberdade há cinco meses

Willys Santos da Conceição, 27 anos, morto após agressão no Corredor da Vitória, estava em liberdade há pouco mais de cinco meses. De acordo com a família, a vítima atuava como guardador de carros na Barra – atividade que teria começado há pouco tempo, já que ele saiu do Complexo Penitenciário Lemos Brito, em Mata Escura, no dia 2 de outubro de 2023

Preso por assalto a coletivo em agosto de 2020, Willys teve a prisão prorrogada em outubro de 2021, mas foi solto quase dois anos depois por ausência de laudo pericial em aparelho telefônico que comprovaria o ato,  visto que o Departamento de Polícia Técnica (DPT) teve prazo para entregar o laudo pericial de um celular que comprovaria o crime, mas não o fez.

A reportagem teve acesso ao documento que determinou a liberação de Willys. “Diante da demora excessiva da diligência, entendo não ser possível a manutenção da prisão preventiva do réu. Como dito, o feito se encontra com a instrução encerrada desde 09/11/2022, aguardando apenas a entrega do laudo requerido pela Acusação. O réu, por sua vez, está preso desde 23/10/2021, isto é, há quase 2 (dois) anos. Como se sabe, a prisão preventiva é medida processual cabível quando preenchidos os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal e deve estar revestida de cautelaridade e contemporaneidade”, escreveu a juíza na decisão.

Nos autos do processo, a reportagem verificou que, enquanto cumpria pena por roubo, Willys teria sido flagrado por policiais em posse de drogas. “Testemunhos dos policiais militares que narraram ter flagrado WILLYS guardando em seu travesseiro, na cela que ocupa na Colônia Penal Lafayte Coutinho, 194 (cento e noventa e quatro) porções de maconha, massa bruta de 161,10g (cento e sessenta e um gramas), e 10 (dez) porções de cocaína, massa bruta de 106,35g (cento e seis gramas e trinta e cinco centigramas)”, aponta texto de denúncia contra o guardador.

Com a ausência dos laudos periciais, Willys foi liberado ainda como denunciado, mas não culpado. 

Ao todo, no que consta no sistema do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ), Willys foi condenado por duas ações penais e ainda era julgado por outras duas. Por ordem cronológica, foi inicialmente denunciado pelo crime de furto qualificado registrado em 9 de janeiro de 2020. Nos autos do inquérito policial que fundamentou a denúncia, Willys foi acusado de furtar um supermercado na Barra.

“Por volta das 2h20, os denunciados acima qualificados, em união de esforços, estando previamente acordados, acessaram o Supermercado Walmart, loja Chame-Chame, situado na Rua Augusto Frederico Schmidt, nº95, bairro Barra. Nesta capital, destruíram e arrancaram 08 (oito) canos de cobre dos ares-condiconados do estabelecimento comercial, sendo surpreendidos por funcionários da loja, que os capturaram em flagrante delito”, informa o texto da acusação.

Em agosto de 2023, já preso, Willys confessou o crime, mas não teve acréscimo de pena por considerarem o princípio de insignificância e apenas foi condenado a arcar com os custos do processo. Na época do furto, em 2020, ele foi preso, mas respondeu o processo em liberdade. Três meses depois, no entanto, Willys foi denunciado por homicídio qualificado e teve mandado de prisão aberto, mas não foi encontrado pelas autoridades no período. A reportagem não teve acesso a detalhes do crime pelo qual foi acusado, mas localizou um despacho em dezembro de 2023, último movimento do processo.

No despacho, a juíza responsável marcava o julgamento de Willys para 10 de julho de 2024, devido a ausência de apresentação de defesa do do réu. Antes disso, em decisão preliminar e provisória, a juíza atestou a autoria para Willys e materialidade das provas para o caso.

“Depreende-se que os documentos, até então apresentados juntamente com os depoimentos coligidos na fase inquisitorial, são suficientes para demonstrar indícios de autoria e materialidade do fato. É evidente que se trata de juízo provisório a respeito da existência da infração penal e sua autoria, a demandar instrução criminal. Todavia, como a justa causa faz parte de uma das condições da ação penal, só caberá desconsiderar as informações reunidas durante a investigação quando as provas forem produzidas em juízo, sob o crivo do contraditório”, afirmou a juíza responsável nos autos do processo.

Apesar das denúncias anteriores, Willys só foi preso em 5 de agosto de 2020, por assalto a coletivo. ”Narra a denúncia que no dia 05/08/2020, por volta das 12:35h, o denunciado, em comunhão de desígnios com parceiro não identificado, mediante violência (dois socos em um passageiro idoso) e grave ameaça exercida através de simulação de arma de fogo, subtraiu os aparelhos celulares. […] Fato ocorrido no interior do coletivo da empresa Integra Plataforma, linha Estação Pirajá x Tubarão/Base Naval, nesta Capita”, informa texto da denúncia contra ele.

Willys foi preso em flagrante na época e, posteriormente, confessou o crime. Na prisão, foi enquadrado pelo crime de tráfico de drogas, contabilizando a quarta ação penal contra ele descrita no início desta reportagem.

Especialista em Ciências Criminais e diretor do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP), Jonata Wiliam da Silva, alerta que, mesmo nessas condições ou sob a hipótese de suspeito de assalto, como apontam os quatro homens presos pela morte de Willys, não há nada que justifique ou autorize de forma legal a promoção de linchamento contra quem quer que seja. 

“A prisão é a nossa opção social como consequência do delito, o que implica dizer que não cabe vingança, retribuição particular ou qualquer represália para qualquer que seja o delito. Para ninguém é dado o direito de fazer justiça com as próprias mãos, sendo considerado crime o exercício arbitrário das próprias razões. A reclusão desses indivíduos, caso culpados, é a norma constitucional de responder a delitos”, explica o advogado, ressaltando que um crime cometido não é justificativa legal para outro em resposta.

Alegação de roubo e contestação das testemunhas

No caso que terminou na morte de Willys, os suspeitos de matá-lo afirmaram que ele tento assaltá-los. Essa versão foi posta em dúvida em depoimentos de testemunhas do caso. Inicialmente, Marcelo da Cunha Rodrigues Machado, Lincoln Sena Pinheiro e Laércio Souza dos Santos, três dos presos em flagrante pelo crime, alegaram que agiram em legítima defesa. Na audiência de custódia que determinou a prisão preventiva dos três, um depoimento colocou em dúvida o que foi apresentado pelos suspeitos.

A reportagem teve acesso ao documento da audiência, em que uma moradora relatou ter ouvido um dos homens gritar com Willys antes das agressões começarem, segundo a transcrição do depoimento. “[A moradora] foi acordada de madrugada com gritos que vinham da rua, quando ainda estava escuro, mas não sabe precisar o horário. Ouviu alguém dizer ‘não tenho não, porra’, sem saber direito do que se tratava, mas viu ainda de seu apartamento que se iniciou uma série de agressões de três pessoas contra uma outra”, aponta o documento.

O testemunho dá força à posição da família de Willys, que diz não acreditar que ele tenha tentado assaltar os suspeitos. Florisvaldo Santos Conceição, irmão mais velho da vítima, afirma que estão tentando incriminá-lo. “Não acredito que ele tentou assaltar. Tem câmeras no Corredor da Vitória e, então, tem que pegar o começo e o fim, de uma ponta a outra. Ele não foi fazer isso, ele pediu algo a eles que foi um cigarro. Isso [a tentativa de assalto] eles estão falando para querer incriminar ele porque morto não fala mais”, afirma o irmão de Willys.

Outra alegação dos suspeitos que foi posta em dúvida na audiência foi a informação de que a polícia teria atendido um chamado dos três. No texto, os PMs afirmam terem recebido a informação de terceiros. “Nesta madrugada, por volta das 4h15, os PMs se deslocaram até a rua Banco dos Ingleses, no Campo Grande, a fim de verificar uma denúncia de disparos de arma de fogo. Logo em seguida, passou um veículo na cor prata, sem maiores dados, cujos ocupantes relataram que um grupo de homens estava espancando uma pessoa do sexo masculino no Corredor da Vitória”, aponta relatório dos policiais que prenderam os suspeitos.

Uma segunda moradora, que também foi ouvida na audiência, afirmou que as agressões contra Willys só pararam com a chegada dos policiais. “[A moradora] desceu para a parte térrea de seu prédio e viu que a todo momento a pessoa agredida pedia socorro e dizia que eles iriam matá-la, ao tempo em que um dos rapazes negava tal fato. […] Até o momento da chegada da viatura da Polícia Militar, a vítima em momento nenhum deixou de ser agredida”, explica ela no texto. Depois da audiência, na última segunda-feira (25), a defesa de Marcelo, Lincoln e Laércio sustentou que os três apenas imobilizaram Willys, segurando braços e pernas, até a chegada dos agentes.

A defesa de Sérgio Ricardo Souza Menezes, morador do Corredor da Vitória que foi preso em flagrante com os outros três, afirmou que ele estava apenas tentando apartar a discussão. A primeira moradora ouvida na audiência, entretanto, relatou algo diferente. “Se aproximou um homem de barba [Sérgio], aparentando mais idade, que se aproximou dos rapazes, conversou algo e, em seguida, desferiu um chute na cabeça do agredido e que, quando a depoente se manifestou contra a agressão, ele mandou ela calar a boca”, completa.

FONTE: CORREIO 

 

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