Na Bahia os terreiros de candomblé resistem à intolerância e promovem cultura afro

Entre batuques, atabaques e muito axé, os terreiros de candomblé resistem à intolerância religiosa. Em tempos de conservadorismo, a preservação cultural e histórica da religião afro-brasileira por meio dos tombamentos dos templos sagrados é um dos caminhos para manter vivo o candomblé.

Neste último domingo (20), quando foi celebrado o Dia da Consciência Negra, a valorização da religião de matriz africana é imprescindível para perpetuação das práticas aprendidas com ancestrais, transmitida por meio da oralidade dentro dos espaços do povo de santo.

“O tombamento é a certeza de que, entra governo e sai governo, aquele patrimônio vai ser preservado. Vemos o tombamento como grande legado para nossa história. Queremos transformar nossos terreiros em pontos de cultura”, defende o presidente da Fundação Palmares, primeira instituição pública voltada para promoção e preservação da arte e da cultura afro-brasileira, criada pelo governo federal em agosto de 1988.

Atualmente, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) é responsável pelo reconhecimento de terreiros com importância nacional. Já o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (IPAC) atua apenas na esfera estadual. Em Salvador, a Lei de Preservação do Patrimônio Cultural do Município (8.550/2014) também tem a função de tombamento de terreiros, apenas na capital baiana.

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Para Maurício Reis, asogbá do Terreiro Ilê Axé Oyá Tolá, que fica na cidade de Candeias, região metropolitana de Salvador, o tombamento deve garantir a preservação dos bens materiais e imateriais, os valores históricos, ambientais, culturais e arquitetônicos, garantindo a manutenção das práticas religiosas realizadas nos terreiros.

“Algo que não vem sendo realizado pelo IPHAN, tampouco pelo IPAC, nos terreiros que alcançaram o tombamento na cidade de Salvador. O que tem colocado em risco a preservação dos espaços”, reclama. O sacerdote da religião afro-brasileira defende que a política de tombamento precisa de avaliação a ser feita pelos religiosos de matriz africana e não por gestores públicos em gabinete, diante da realidade de falta investimentos da União e do Estado na manutenção dos terreiros tombados.

“Vale destacar que na cidade de Salvador houve o primeiro tombamento pelo município em 2016, o Terreiro Hunkpame Savalu Vodun Zo Kwe, no Curuzu, bairro da Liberdade. Mas é algo que ainda não sabemos como a Fundação Gregório de Matos irá tratar após ser tombado. Como iniciativa, é maravilhoso ter o município assumindo essa ação”, pondera Maurício Reis.

Tombamentos

O primeiro terreiro do Brasil tombado pelo IPHAN foi o da Casa Branca, em 1984. Constituído de uma área de aproximadamente 6.800 metros quadrados, com as edificações, árvores e principais objetos sagrados, o templo fica na Avenida Vasco da Gama, em Salvador. Outros sete terreiros foram tombados pelo órgão federal na Bahia: Ilê Axé Opô Afonjá (1999), Ilê Iyá Omim Axé Iyamassé – Gantois (2002), Terreiro do Alaketo, Ilê Maroiá Láji (2004), Terreiro de Candomblé do Bate-Folha (2003), Ilê Axé Oxumaré (2013), todos em Salvador; e OMO Ilê Agbôulá (2015), em Itaparica, e Terreiro Zogbodo Malê Bogun Seja Unde – Roça do Ventura (2014), em Cachoeira.

De acordo com o IPHAN, o tombamento é uma ação de reconhecimento de um bem como parte do Patrimônio Cultural Brasileiro, ou seja, é um reconhecimento do Estado de que este bem tem relevância nacional. Segundo o órgão, a partir do tombamento, e como consequência dele, o Iphan passa a ter responsabilidade no acompanhamento da preservação do bem. Contudo, a responsabilidade pela conservação continua sendo dos proprietários. Desse modo, o IPHAN passa a apoiar ações de conservação, além de ter a obrigação de fiscalizar se o bem continua preservado.

Para o IPAC, ao ser tombado, o imóvel passa a ter prioridade nas linhas de financiamento público para projetos arquitetônicos, obras e restaurações prediais, sejam elas Municipais, Estaduais, Federais ou até Internacionais. Na Bahia, por exemplo, existem editais que destinam verbas a projetos de terreiros.

Candomblé resiste à intolerância religiosa por meio da oralidade (Foto: Andréa Montenegro/Arquivo pessoal)

Atualmente, existem 19 terreiros de candomblé tombados pelo Estado da Bahia através do IPAC. São eles: Ilê Axé Alabaxé, em Maragogipe; Rumpane Ayono Rontólogi e Zogbodo Male Bogum Seja Unde, em Cachoeira; São Jorge Filho da Goméia, Ilê Axé Ajagunã, Ilê Axé Opô Aganju, em Lauro de Freitas; e, Ilê Axé Oxumarê, Pilão de Prata, Ilê Aché Ibá Ogum, Ilê Asipá, Ilê Axé Kalé Bokum, Mokambo Onzo Nguzo Za Nkisi Dandalunda Ye Tempo, Tumba Junçara, Terreiro da Casa Branca, Terreiro do Bate Folha, Terreiro do Gantois, Ilê Axé Opô Afonjá e Terreiro do Alaketo, em Salvador. O IPAC também afirma que o tombamento não retira a propriedade e as obrigações do proprietário com o imóvel.

Já pela Fundação Gregórgio de Matos, órgão vinculado à Secretaria de Desenvolvimento, Turismo e Cultura (Sedes) da Prefeitura de Salvador, foi tombado, até o momento, pela Lei Municipal 8.550/2014, apenas o Terreiro Hunkpame Savalu Vodun Zo Kwe, por meio do Decreto n.º 27.006, de 11.01.2016.

De acordo com a Fundação, está em processo de tombamento, contando com tombamento provisório, o Terreiro Ilê Axé Kalé Bokun, e foram encaminhados outros dois pedidos de tombamento dos terreiros Mokambo e Aloyá, que ainda estão em análise.

“O tombamento é de suma importância porque tenho visitado muitos terreiros e estou vendo que a cultura está morrendo. Vi uma comunidade quilombola que tem uma Assembleia de Deus, mas não tem nenhuma menção à religião de matriz africana”, afirma Erivaldo Oliveira, da Fundação Palmares.

Segundo ele, o pedido de tombamento tem que partir do próprio terreiro e, a partir daí, é iniciado o processo de reconhecimento. “Vamos fazer o mapeamento dos terreiros em Brasília. Depois, vamos começar a traçar políticas públicas para essas comunidades. Queremos contar a história de cada terreiro do Brasil e para isso nós vamos contar também a história de cada orixá, em vídeos, filmes, livros”, deseja Erivaldo.

Mapeamento dos terreiros

Em Salvador, há o levantamento do Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO) que lista 1.165 terreiros cadastrados em Salvador e região metropolitana, o que fortalece a cultura dos terreiros. Maurício Reis, asogbá do Terreiro Ilê Axé Oyá Tolá, em Candeias, foi contemplado em um edital do governo do estado com o projeto “Mapeamento dos Terreiro de Religiões de Matriz Africana em Candeias-BA”, que tem início em janeiro de 2017.

Terreiro fica no bairro do Curuzu, em Salvador (Foto: Thamires Tavares/ Divulgação)

“O mapeamento alcançará nessa primeira fase 60 terreiros, tendo como base algumas técnicas utilizadas no mapeamento realizado pelo CEAO e a Secretaria Municipal da Reparação, em Salvador (2006). No entanto, sua publicação será com o lançamento Portal Espaços Sagrados, onde terá: memória dos terreiros; área georreferenciada; registro fotográfico do espaço; e localização”, explica o sacerdote.

Segundo ele, o objetivo do portal é dar maior conhecimento sobre a religião de matriz africana no município e criar possibilidades efetivas de ações articuladas para fortalecimento da relação entres os terreiros no âmbito da cultura, empreendedorismo, preservação e conservação dos ambientes naturais.

“Esse mapeamento pretende disseminar informações sobre os terreiros de candomblé de Candeias, através do Portal Espaço Sagrado, com registro fotográfico, georreferenciamento, memorial histórico, levantando as potencialidades e desafios, pensando numa perspectiva de fortalecimento dos terreiros para preservação e conservação da cultura negra”, enumera.

“Considerando ainda que a Gestão Pública municipal, estadual e federal, reconheça a existências destes: quantos são, ondes estão, e suas potencialidades e desafios, para fortalecimento das religiões de matriz africana no Estado e no Brasil”, completa. Para Erivaldo Oliveira, é preciso também acabar com o preconceito em relação ao candomblé mostrando conhecimento e ocupando espaços. “Que as pessoas comecem a enxergar a nossa cultura com outro olhar, com outra visão. É uma cultura que resiste, que sabe resistir. Vamos fazer o que puder para preservar”, conclui.

 

 

Por Danutta Rodrigues

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