Nova lei de bairros de Salvador vai mudar até o Censo de 2020
Agora que Salvador tem uma lei de bairros, muita coisa vai mudar – e não só no endereço que vem escrito na sua correspondência. Até mesmo o próximo Censo, em 2020, vai ser afetado pelas mudanças, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A instituição foi uma das colaboradoras do estudo Caminho das Águas, publicado em 2010 pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e que serviu como base para a lei sancionada nesta quarta-feira (20) pelo prefeito ACM Neto.
“Vamos fazer toda a nossa adequação da malha dos setores censitários a esses limites de bairros. Como virou lei, a gente não pode ter um setor censitário que começa num bairro e termina no outro”, explicou o coordenador de disseminação de informações do IBGE, André Urpia.
Assim, devido a essa nova delimitação, ele espera que as informações produzidas pelo Censo sejam muito mais precisas. “É bom ter a tranquilidade de saber que a gente não vai mais passar uma década sem dar informações de bairros, nem dizer que Salvador não tem lei de bairro”, diz Urpia.
Além disso, políticas públicas devem passar a ser mais direcionadas. “O Ministério Público, por exemplo, acompanha a questão das creches na cidade, porque existe uma meta nacional para que até 2024, existam creches para atender a todas as crianças por bairro. Se, hoje, a gente tem que dar recortes aproximados, agora, vamos saber exatamente quantas crianças vivem em cada bairro e eles vão observar se esse critério vai ser atendido até 2024”.
Urpia também acredita que a vida de quem deseja empreender em Salvador deve ficar mais fácil. Hoje, se um empresário – seja alguém que quer implantar um negócio, seja alguém que já tem um estabelecimento e deseja se fixar em outro local – solicitar informações sobre a região ao IBGE, o órgão provavelmente não vai conseguir atender todas as demandas.
“Hoje, a gente não tem. Mas, com essas informações (de bairros), não vamos mais ter isso de ‘dado aproximado. Vamos poder dar todas as informações do questionário, dando a liberdade para o próprio usuário possa fazer esses cruzamentos”.
Lei sancionada
A lei que delimita os bairros foi sancionada pelo prefeito ACM Neto na manhã desta quarta-feira. Assim, a cidade passou a ter oficialmente 163 bairros – incluindo as três ilhas (de Maré, dos Frades e de Bom Jesus dos Passos). De acordo com a prefeitura, a nova atualização da divisão territorial vai ajudar na melhoria do reconhecimento e na identificação desses locais, com limites precisos de onde os bairros começam e terminam.
Antes dessa lei, o que valia era uma da 1960 – tão obsoleta que a cidade tinha apenas 32 bairros e contava com pouco mais de 600 mil habitantes. Por isso mesmo, para o prefeito, essa era uma demanda aguardada há décadas. “A nova delimitação tem implicações jurídicas e sociais importantes. Para a organização administrativa da cidade, é fundamental que tenhamos essa atualização e uniformização. Agora, diante dessa realidade dos novos bairros da cidade, vamos poder organizar e planejar todo o futuro de Salvador”, afirmou.
Quando o projeto de lei foi apreciado na Câmara Municipal, os vereadores acrescentaram emendas que incluem outros oito bairros à lei (Dois de Julho, Alto do Cruzeiro, Chame-Chame, Colinas de Periperi, Horto Florestal, Ilha Amarela, Mirantes de Periperi e Vista Alegre). Porém, segundo a prefeitura, a oficialização depende de uma avaliação da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur), que fará estudos técnicos nos próximos 180 dias.
De acordo com o secretário Guilherme Bellintani, titular da Sedur, os critérios adotados para inclusão desses oito bairros serão os mesmos utilizados no estudo que propôs a delimitação da proposta inicial. “Vamos estudar elementos como identidade, capacidade de organização comunitária daquele bairro, equipamentos públicos e uma série de outros itens relevantes para que aqueles locais sejam definidos como bairros. São elementos subjetivos, como sensação de reconhecimento, de pertencimento ao seu bairro, até outros elementos objetivos, como escolas, postos de saúde”, explicou.
Localidades e bairros
No estudo original, no qual foi baseada a lei sancionada nesta quarta, os oito aspirantes a bairro não existiam. O estudo O Caminho das Águas em Salvador – Bacias Hidrográficas, Bairros e Fontes” foi realizado entre 2006 e 2010 pela Ufba. Segundo a professora Elisabete Santos, da Escola de Administração da Ufba e uma das coordenadoras do estudo, na época, os oito locais foram considerados ‘localidades’ dos respectivos bairros.
Localidades são porções menores de territórios, mas que apresentam características socioeconômicas similares e que integram um bairro. “É claro que tudo isso é dinâmico e à medida que a cidade se transforma seus limites intra urbanos também se modificam. Temos conhecimento da proposta apresentada por representantes do 2 de julho, que é fruto de um Plano de Bairro, elaborado com a participação da Escola de Arquitetura”. Ela recomenda, inclusive, que a legislação seja revisada a cada dois anos.
A professora ainda reforça a importância dessa nova lei. Além da padronização do endereço e de facilitar a produção de indicadores para o planejamento e gestão da cidade, também é fundamental para a iniciativa privada e para concessionárias de serviços públicos.
“Até a realização desse estudo, cada instituição se virava como podia para chegar ao morador. A Secretaria de Segurança Pública (SSP) e a Conder trabalhavam com uma malha com 198 bairros, a própria prefeitura com 158, os Correios com 187, o IBGE com 241 e a própria Ufba com 2016 bairros. Agora temos uma lei que delimita 163 bairros, ou seja, uma referência comum para o cidadão, para a sociedade civil, para entes públicos privados que atuam no planejamento, na gestão e prestação de serviços na cidade”.
Confira a entrevista completa com a pesquisadora Elisabete Santos, da Ufba:
O que configura um bairro?
O conceito de bairro que orientou a realização do trabalho de delimitação, realizado pela Ufba, IBGE, governo do estado e prefeitura, associa as noções de pertencimento à existência e acesso a infraestrutura e serviços urbanos. Então, para efeito do trabalho realizado, um bairro é uma unidade territorial com uma consolidação histórica, com a qual o cidadão se identifica e na qual qual ele se reconhece. Quando alguém pergunta ‘onde você mora?’, a gente responde: em Amaralina, no Cabula, em Pirajá, na Saúde. Mas é preciso lembrar que essa noção de pertencimento está associada ao compartilhamento de relações mas também ao acesso à infraestrutura e serviços que um bairro deve oferecer, como o de educação, de saúde e de mobilidade urbana. Então, um bairro é um território que tem sim a capacidade de ser autônomo e de polarizar o seu entorno.
Qual é a diferença entre localidades e bairros? Existe uma área territorial mínima para uma região ser considerada um bairro?
Não, segundo o estudo realizado e, a exemplo do que se verifica em outas capitais, no Rio de Janeiro, por exemplo, não existe uma área minima ou máxima. O que diferencia uma ‘localidade’ de um ‘bairro’ é a densidade e complexidade de cada um desses recortes territoriais. Uma localidade é uma porção menor do território, que apresenta características socioeconômicas similares, mas que faz parte, que integra um bairro. Por exemplo, São Lazaro é uma localidade do bairro da Federação. Ela tem identidade própria é única mas, pelas características urbanísticas, não tem a complexidade e densidade da Federação. Em todos os nossos bairros temos muitas localidades, que não foram delimitadas exatamente por estarem contidas nos bairros. Uma localidade pode transformar-se em um bairro? Sim, claro. Contanto que atenda aos critérios de pertencimento e urbanísticos. Se sairmos transformando, de forma indiscriminada, as localidades em bairros, nós implodimos a divisão territorial da cidade e jogamos o conceito de bairro na lata do lixo.
Como foi feito o trabalho de delimitação?
Perguntando as organizações comunitárias, da sociedade civil e do cidadão onde começa e termina o seu bairro. Decidimos que um trabalho desse tipo não pode ser feito no escritório ou não pode ser resultado da vontade de alguns poucos. Por isso, a sugestão da equipe multidisciplinar responsável por esse trabalho, é de que a transformação do que é hoje uma localidade em um bairro deve passar pela escuta dos moradores da localidade e do próprio bairro. E se essa mudança afeta o bairro vizinho, que se pergunte também ao bairro vizinho. Esse é o diferencial do trabalho que foi feito. Nesse processo nos consultamos 2.122 associações e aplicamos 21.175 questionários nos domicílios situados em áreas de “conflito” ou seja onde existiam divergências em relação aos limites de bairro.
Hoje, alguns anos após o estudo, a senhora concorda ou discorda que essas oito áreas que classificou como localidades já sejam consideradas bairros?
A equipe não tem uma posição sobe as propostas apresentadas pois não conhecemos o conteúdo das emendas nem os limites propostos. Quando o trabalho foi realizado os territórios que hoje reivindicam a mudança foram enquadrados, com a concordância dos seus representantes e moradores, como localidades dos seus respectivos bairros. É claro que tudo isso é dinâmico e à medida que a cidade se transforma seus limites intra urbanos também se modificam. Temos conhecimento da proposta apresentada por representantes do 2 de julho, que é fruto de um Plano de Bairro, elaborado com a participação da Escola de Arquitetura.
A prefeitura é a responsável pela realização dos estudos técnicos da emenda apresentada pelos vereadores. Acredito que, como o executivo municipal encaminhou o projeto de lei respeitando os critérios técnicos do trabalho, certamente ele será criteriosa e rigoroso na avaliação das demandas apresentadas. A nossa opinião é que a atualização desse trabalho, em qualquer tempo, deve respeitar o principio da consulta popular e os critérios de natureza urbanística. Esse trabalho foi feito com a parceria da própria prefeitura e sua equipe técnica sabe da relevância que a delimitação de bairro tem para o planejamento e a gestão de Salvador.
Qual é a importância de uma nova legislação de bairros para a cidade?
A importância é grande sob vários aspectos: Primeiro, permite a padronização do endereço. Nós temos situações complicadas na cidade hoje: um morador recebe correspondência com diferentes endereços. E isso é um direito do cidadão: ele poder acessar, com segurança, os serviços que a cidade oferece. A carta que chega, a conta de luz, de água, a compra que ele fez via internet, a comprovação da sua moradia, etc.
Em segundo lugar, a delimitação de bairro é uma importante ferramente para a produção de indicadores, para o planejamento e para a gestão da cidade. Hoje, as áreas de saúde, de educação, de segurança e de mobilidade, por exemplo, trabalham com recortes territórias que não são compatíveis, que não dialogam entre si. A construção de uma base de dados sobre a cidade fica, assim, muito difícil. Qual o perfil etário, de gênero, cor, raça e de instrução da nossa cidade na escala intraurbana. Onde reside a população mais pobre, mais jovem, onde estão os registos de doenças relacionada com o saneamento? Enfim, o poder público precisa investir para melhorar a qualidade de vida em Salvador. A definição dos limites de bairros pode ajudar na compatibilização de informações e auxiliar no planejamento e na intervenção na cidade.
Em terceiro lugar, esse trabalho é fundamental para a iniciativa privada e concessionárias de serviços públicos. Até a realização desse estudo cada instituição se virava como podia para chegar ao morador. A Secretaria de Segurança Pública e a CONDER trabalhavam com uma malha com 198 bairros, a própria Prefeitura com 158, os Correios com 187, o IBGE com 241 e a própria UFBA com 2016 bairros. Agora temos uma lei que delimita 163 bairros, ou seja, uma referência comum para o cidadão, para a sociedade civil, para entes públicos privados que atuam no planejamento, na gestão e prestação de serviços na cidade.
De quanto em quanto tempo a legislação deve ser revisada pelo município?
Acho que 10 anos é um tempo razoável. Coincide com os nossos censo demográficos e pode trazer elementos para os processos de atualização dos instrumentos de gestão como o Plano Diretor e Lei de Uso e Ocupação do Solo.
Fonte: Correio