Para parlamentares, saída de Teich comprova que Bolsonaro busca ministro submisso
A saída de Nelson Teich do Ministério da Saúde com menos de um mês no cargo confirma que Jair Bolsonaro (sem partido) busca um nome submisso e que atenda as convicções pessoais do presidente em vez de priorizar a ciência, avaliam parlamentares.
Teich, na prática, estava afastado de decisões que interferem em recomendações da Saúde. Não sabia, por exemplo, que Bolsonaro havia decido aumentar a lista de atividades essenciais e incluir salões de beleza, academias e barbearias.
Também discordava do uso da cloroquina para pacientes com quadros leves da Covid-19, defendida por Bolsonaro mesmo sem evidências científicas do medicamento para o novo coronavírus. Estudos recentes internacionais, publicados em revistas científicas de prestígio, não mostraram benefícios da droga em reduzir internações e mortes e apontaram riscos cardíacos.
Nesta sexta (15), parlamentares culparam Bolsonaro pela saída do segundo ministro da Saúde em meio a uma pandemia.
“Mais uma evidente demonstração de que o presidente tem dificuldade para montar equipe. Não suporta ter divergências”, afirmou, em vídeo, o líder do Cidadania na Câmara, deputado Arnaldo Jardim (SP). “Mais do que isso, abdica e recusa qualquer avaliação técnica. Não convive com especialistas. Troca suas impressões pessoais pela ciência.”
Líder do Podemos na Câmara, o deputado Léo Moraes (RO) lamentou a saída de Teich. “É preocupante para o país, no momento que o coronavírus parece atingir o pico de transmissão, que tenhamos mais uma vez mudança no comando do Ministério da Saúde, mudanças de política e de protocolos de trabalho, que precisam de tempo para apresentar resultados”, afirmou. “E esse tempo, infelizmente, o Brasil não tem mais.”
O deputado Marcelo Ramos (PL-AM) também viu na saída de Teich uma resposta a pressões de Bolsonaro. “Diante das imposições do presidente, só topará ser ministro da saúde quem não tiver compromisso com a ciência e nem com medicina”, disse. “A demissão do ministro demonstra que ele tem.”
É uma avaliação parecida com a do líder do PSB na Câmara, deputado Alessandro Molon (RJ). Para ele, Bolsonaro não quer um ministro técnico, e sim alguém que concorde “com suas insanidades ideológicas, como o fim do isolamento e o uso da cloroquina.”
O parlamentar disse que pretende insistir com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para analisar os pedidos de impeachment contra Bolsonaro, entre eles o apresentado pelo PSB. “Precisamos evitar uma catástrofe”.
Maia é responsável por decidir se prosperam ou não os mais de 30 pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Ele não tem prazo para tomar essas decisões.
Senadores também avaliam que a troca na Saúde dá força ao pedido impeachment. Para o senador Humberto Costa (PT-PE), a atitude de Bolsonaro fortalece o pleito.
“Em menos de um mês, o Ministério da Saúde fica novamente sem comando. Tudo obra de um presidente genocida que nega a ciência e quer levar milhares à morte”, disse. “O presidente da Câmara, se não se coaduna com essa dizimação em massa, tem a obrigação de abrir um processo de impeachment.”
Para o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), vice-líder do partido na Casa, o presidente está cometendo um crime com a saúde pública. “Bolsonaro não quer um médico para cuidar da saúde dos brasileiros. Quer um charlatão fanático. Ou um militar burocrático capaz de seguir ordens sem pensar”, acusou. “Dois ministros da saúde demitidos em plena pandemia não é só sinal de incompetência. É crime e está nas margens do homicídio.”
O senador Angelo Coronel (PSD-BA), que preside a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) das Fake News, disse esperar que o próximo ministro não se renda ao que ele chamou de “caprichos” do presidente. “O copo está enchendo, próximo a transbordar. Espero que o próximo siga o exemplo e não se renda aos caprichos do presidente. Lealdade é louvável, mas subserviência é covardia.”
A líder do Cidadania no Senado, Eliziane Gama (MA), disse que a mudança do ministro em menos de um mês mostra a gravidade da crise política enfrentada pelo governo. “Foi forçado a sair porque não concordou com a ideia irresponsável de defender o uso deliberado da Cloroquina e do fim do isolamento social. É um governo contra a ciência.”
O líder do Rede, Randolfe Rodrigues (AP), também defendeu a saída de Bolsonaro. “Ninguém aguenta a inaptidão de Bolsonaro, nem os mais omissos e ineptos! Agora, quem tem que cair é o próprio Bolsonaro, um negacionista, inimigo da Ciência, da Saúde e da vida! Bolsonaro se aliou ao coronavírus e qualquer gestor, por pior que seja, não supera Bolsonaro.”
Nem todos os parlamentares, porém, lamentaram a saída de Teich. Para o líder do DEM na Câmara, deputado Efraim Filho (PB), o ministro não vai “deixar saudades.” “A impressão é de que ele nunca assumiu realmente. Foi praticamente um mês perdido de Ministério da Saúde no ponto mais crítico da pandemia.”
O deputado Paulinho da Força, presidente nacional do Solidariedade, também criticou o trabalho do oncologista. “Saiu quem não tinha entrado. Nesta sexta (15), o ministro da Saúde, Nelson Teich, pediu exoneração do cargo, mas não sei se alguém percebeu, já não fazia diferença”, afirmou. “Desejo sorte ao sr. Teich na sua carreira, mas desejo ainda mais que o governo federal seja capaz de colocar alguém com envergadura para conduzir o ministério mais importante nesse momento de crise.”