Tire suas dúvidas sobre a intervenção na segurança pública no Rio de Janeiro
O que é intervenção federal?
“Juridicamente, é um ato considerado grave porque quebra a autonomia dos entes federados. Os Estados têm seus governantes, seu próprio Legislativo, capacidade de autoadministração. Quando se fala em intervenção federal, se fala na quebra dessa autonomia”, diz a especialista em direito constitucional Isabel Figueiredo, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
No caso do Rio, a intervenção é temática, somente sobre a área de segurança pública, e parte de um ato do presidente da República —um decreto que precisará ser avalizado pelo Congresso. “A União passa a ser responsável por todos os atos feitos pelo interventor”, diz Figueiredo.
O que a intervenção muda na prática?
“Na prática, o interventor assume o controle da Secretaria de Segurança Pública e das polícias. Mas ele não é apenas um novo secretário. Ele não está subordinado ao governador do Estado e às implicações da política local. Ele tem muito mais autonomia”, explica Arthur Trindade, sociólogo, professor da UnB e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal.
Para ele, há duas frentes: a de combate à criminalidade do dia a dia e a de “saneamento” das polícias estaduais. “No que diz respeito à criminalidade cotidiana, vai necessitar um planejamento amplo das Forças Armadas com ações bem definidas, metas a serem alcançadas. Como a intervenção foi decretada agora, acho pouco provável que esse plano exista, mas nessa linha o que se espera é um maior emprego das Forças Armadas nas ruas, o que vai ser um efeito de curto prazo, paliativo, mas um efeito importante”, diz.
“O mais importante é que esse interventor, que não está subordinado às nuanças da política local, pode tomar uma série de medidas internas às polícias militar e civil do Rio. O interventor tem, em tese, todos os instrumentos para mexer no regramento interno das polícias para tentar sanear essas instituições da sua corrupção.”
Isabel Figueiredo concorda. “Primeiro, deve haver uma intervenção nas polícias, no sentido de fazer algum tipo de ‘limpeza’. E, segundo, na questão principalmente da inteligência —o caso [da violência] do Carnaval foi trágico, mostra que o Estado não tem capacidade de planejamento”, afirma.
Quando a intervenção federal foi usada?
Segundo os especialistas, essa é a primeira vez sob a vigência da Constituição de 1988.
Quais situações autorizam o uso da intervenção federal?
De acordo com o professor de direito constitucional Flávio de Leão Bastos Pereira, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, há várias situações. “Para manter a integridade nacional, para repelir invasão estrangeira ou invasão de uma unidade federativa em outra [uma disputa entre Estados], para pôr termo a um grave comprometimento da ordem pública —que é o caso do Rio agora—, para reorganizar as finanças de uma unidade, e para fazer executar lei federal ou decisão judicial —quando ela não está sendo aplicada num determinado Estado”, exemplifica.
“Cada uma dessas hipóteses entra numa espécie [de intervenção] diferente.”
É certo falar ‘intervenção militar’ no caso do Rio?
Para Pereira, não. “Há uma intervenção federal por parte do Poder Executivo que, nesta modalidade, na área de segurança pública, nomeou como interventor um militar [o general Braga Netto]. Mas a ordem de intervenção vem de um governo civil”, diz.
O que altera na vida de quem mora no Rio?
“A princípio, na prática, muda muito pouco para a população, porque uma intervenção muda o comando [das polícias] e pode fazer com que o novo interventor realoque as forças de segurança no Estado”, diz Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da FGV-SP.
Para Trindade, “mais militares nas ruas vão transmitir uma sensação de segurança maior para a população”.
Qual a diferença entre intervenção, Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e outras ações?
“Podemos lembrar três instrumentos previstos pela Constituição em situações graves: a intervenção federal, o estado de defesa e o estado de sítio. Esses dois últimos, que também nunca foram usados desde a Constituição de 1988, são chamados de estado de legalidade extraordinária”, diz Pereira.
“A GLO já foi uma medida adotada, trouxe estruturas federais em apoio aos Estados do Rio, do Espírito Santo e do Rio Grande do Norte. Nela, o Estado pede ajuda ao governo federal sem que ocorra uma intervenção. A GLO não implica no exercício de poderes tipicamente civis por um militar, como vai acontecer agora. O que há agora é a formalização de um interventor militar que vai exercitar poderes tipicamente civis.”
Haverá tanques e armamentos pesados nas ruas?
Segundo alguns dos especialistas, é preciso esperar o desenrolar das ações para saber.