UFBA 70 anos: Congresso discute os desafios da ecologia política, a partir do ecofeminismo e outros olhares transdicisplinares

 UFBA 70 anos: Congresso discute os desafios da ecologia política, a partir do ecofeminismo e outros olhares transdicisplinares

“O pensamento racional é linear ao passo que a consciência ecológica decorre de uma intuição de sistemas não-lineares”, escreveu o físico Fritjof Capra, no clássico da ecologia: O Ponto de Mutação. Na mesa “Ecologia política e a universidade implicada na compreensão e enfretamento das novas dinâmicas dos conflitos socioambientais”, que ocorreu dia 15, no auditório da Faculdade de Comunicação, a ecologia política foi tratada por uma lente transdiciplinar. Participaram da discussão os professores Ana Lúcia Lage (UFBA), Felipe Milanez (UFRB), Tânia Kuhnen (UFOB), Maria Elisabete Pereira (UFBA) e May Waddington (UFSB).

A professora e filósofa Tânia Kuhnen, da Universidade Federal do Oeste da Bahia expôs os conceitos de ecofeminismo, que envolve olhar a ecologia a partir de um viés filosófico, mostrando como podemos perceber a conexão entre exploração e dregração do meio ambiente e da natureza com uma lógica de dominação que envolve opressão e encoraja a separação. “A ideia central do ecofeminismo é a lógica de dominação, que promove dualismos hierárquicos de valor. Os diferentes “ismos” – o racismo, o sexismo, o especismo, o machismo – tem uma origem em comum e por isso não podem ser combatidos sem esse reconhecimento. A gente não consegue desconstruir um deles, sem perceber as suas interconexões, no sentido de desconstruí-los, todos eles,  de uma forma conjunta”, explicou a Kuhnen.

A raiz ou “origem em comum”, argumentou, é o patriarcado: “Todas as formas hierárquicas e desiguais, no mundo social, estão perpassadas por uma forma machista de conquistar, dominar, oprimir, manipular, aquilo que é temido ou visto como menos poderoso ou, até, diferente. Nossos modos de nos relacionar com a natureza é resultada dessa ordenação masculina de mundo”, reforçou Kuhnen.

Kuhnen complementou que “o patriarcado divide o mundo em hierarquias binárias e, nesse sentido, estaria por trás de todas as formas de dominação. É um quadro conceitual e uma forma de pensar que encoraja separações. Separação entre homens e mulheres, negros e brancos, cultura e natureza, ser humano e natureza. E de um lado do dualismo sempre tem algo que é superior – algo que tem mais valor-, e do outro lado, algo que é inferior,  subordinado. Algo que é dominado.” A professora e filósofa associou o nosso domínio perante a natureza como forma de lidar com esse mundo desconhecido, associando-o à nossa busca por controle, como se a não querer se sentir inferior ao desconhecido. “É como uma penetração dos seu segredo. Um estupro à natureza”, explicou fazendo uma analogia sexual de domínio.

A partir de um ponto de vista filosófico, Kuhnen argumentou sobre como suscita a conservação do meio ambiente, como uma ética corretiva no momento em que a exploração e o domínio da natureza chega a um ponto próximo da extinção. Para ela, conservamos a natureza quando sentimos que vamos perder algo que importa pra gente: “a natureza precisa continuar existindo, para que nós possamos continuar fazendo as nossas atividades e, a partir dela fazer ciência ou ter conhecimento e divertir-se também”.  Kuhnen acrescentou que, para as ecofeministas, essa conservação está atrelado à estrutura patriarcal, ao ponto que mantém um caráter, essencialmente, instrumental da natureza.

Uma das partes mais interessantes da sua apresentação foi ao abordar a implantação da regulamentação da caça esportiva, no século XIX, em um período onde ocorreu uma escassez ambiental. Kuhnen explicou que apesar de haver uma escassez, a atividade, historicamente masculina, “não pôde” deixar de existir.  ”Como a gente vai fazer para garantir a formação e a educação desse masculino, se nós não temos os nossos recursos naturais, que nos permite uma caça livre?”, contextualizou Kuhne. Ela explicou como a caça se inseria como um recurso no ritual de passagem da vida do homem e na construção de signos masculinos, como força, coragem e virilidade. “Se a caça não pode ser uma atividade livre, mas se também não pode ser uma atividade que pode acabar”, questionou a filosofa, “é preciso, então, conservar.” Kuhnen também estendeu o pensamento à forma patriarcal e machista de perceber a mulher como um objeto que auxilia no ritual de passagem do homem e na manutenção do masculino.

A mesa, formada por Tânia Kuhnen, também estava composta por professores de diferentes universidades e áreas do conhecimento, com a intenção de debater a ecologia a partir de um olhar mais amplo. A organizadora da mesa, a professora  do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC – UFBA), Ana Lúcia Lage, pontuou a dificuldade da academia em tratar questões ecológicas: “A tradição disciplinar acadêmica têm encontrado dificuldades para compreender e explicar as transformações ecológicas e suas consequências sob a forma de conflitos socioambientais, cuja complexidade desafia os limites das disciplinas e do conhecimento puramente acadêmico.”

Em soma, ressaltou a importância de um olhar multidisciplinar para a superação dessa dificuldade e pontuou que a ecologia política, como uma área mais específica, surge como uma alternativa para lidar com os desafios ambientais de maneira mais abrangente: “Se os Estudos em Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente propõem a colaboração interdisciplinar entre as áreas científicas, humanísticas e artísticas como aporte à investigação das questões ecológicas agravadas pelo evento das mudanças climáticas, por outro lado, a dimensão ético-política dos desafios postos por impactos socioambientais exige uma atitude transdisciplinar, que reconheça os conhecimentos e práticas das comunidades afetadas, à luz da proposição de uma ecologia de saberes. A Ecologia Política, implicada no compromisso de defesa da justiça socioambiental, ao buscar compreender as relações de poder e suas interações com o ambiente, os usos e controle dos recursos e dos corpos, a subalternalização e despossessão das comunidades tradicionais, tem-se configurado como uma emergente e inovadora perspectiva de pesquisa científica, incentivando investigações a partir das questões ecológicas em sua multiplicidade de aspectos, questionando o papel da ciência, dos objetos e sujeitos na produção do conhecimento e buscado a superação de dicotomias socialmente construídas e percebidas como “naturais”. “

“É preciso visibilizar aquilo que não cabe nas disciplinas”, complementou o professor e doutor em sociologia, Felipe Milanez, do Centro de Cultura Linguagens e Tecnologias Aplicadas (CECULT) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Milanez argumentou sobre a ideia de uma ecologia indisciplinada, que sugere embarcar ideias e conhecimentos que estão fora do enquadramento habitual. Ele argumentou que a universidade faz um filtro do conhecimento, inclusive dos saberes populares e das comunidades, que, por sua vez, lhe dá o  poder de validar, ou não, ideias para o investimento político. Para Milanez, essa mediação tem que aconter em conjunto com as comunidades, unindo pesquisa e ação. Finalizou argumentando que esse processo, como um todo, é uma forma de resistência: “esse trabalho tem que acontecer junto com as lutas de resistência ecológica. […]  Uma associação com o ambiente como uma forma de emancipação política”.

Na mesa, também participaram as professoras Maria Elisabete Pereira da UFBA e May Waddington Universidade Federal do Sul da Bahia, trazendo um olhar do campo da administração e da antropologia, respectivamente. Com informaçõs Lucas Gama.

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