Um dia após renúncia, Cunha volta a operar e envia orientações via WhatsApp
Tão logo oficializou sua renúncia ao cargo de presidente da Câmara, o deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) recomeçou a operar para influenciar na eleição de seu sucessor. Em troca de mensagens em rede social com deputados do PMDB, fez recomendações, traçou cenários e até alertou para o risco de a permanência do interino Waldir Maranhão (PR-MA) dificultar a vida do presidente interino Michel Temer, com o encaminhamento do processo de impeachment contra ele, em andamento na Casa.
Cunha é um dos que defendem que o PMDB não indique candidato para sua sucessão e apoie um nome vindo do chamado centrão, grupo de partidos médios sobre o qual ainda exerce influência política. No PMDB, entre os vários nomes cogitados, o único que já confirmou candidatura foi o ex-ministro da Saúde do governo Dilma, Marcelo Castro (PI), um desafeto do ex-presidente da Câmara.
Para Cunha, a chance de a presidência da Câmara voltar ao PMDB é remota. Segundo ele, o centrão e legendas de oposição não deixarão o partido ocupar novamente a cadeira. “Temos uma condição diferente hoje por termos o presidente da República. Difícil ter Senado, Câmara e presidência em um único partido. São remotas as chances de aceitarem isso”, escreveu Cunha em uma das mensagens.
A discussão no grupo de conversa do PMDB, segundo alguns deputados, começou após Cunha enviar uma mensagem sobre o risco que Temer corre de sofrer um “golpe” orquestrado por Maranhão para acelerar o processo de impeachment contra o presidente interino, em curso na Câmara.
ORIENTAÇÕES AOS DEPUTADOS
De acordo com a mensagem de Cunha, a saída para evitar a artimanha de Maranhão seria marcar a eleição do novo presidente já para o início da próxima semana. “Marcar segunda não é ruim, porque obriga a resolver”, escreveu Cunha, alertando os correligionários para o risco de retardar a data: “Perde-se mais uma semana, a última, e dá margem ao golpe que querem fazer de aceitar o impeachment de Michel”.
Em paralelo à eleição do novo presidente, corre o recurso apresentado por Cunha na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) contra o relatório apresentado no Conselho de Ética que pede a sua cassação. Se a eleição do novo presidente da Câmara ocorrer no início da próxima semana, como querem alguns líderes partidários, a sessão da CCJ poderá ser remarcada, o que dará uma sobrevida ao mandato de Cunha. A reunião da CCJ, que já estava agendada para segunda-feira, foi remarcada para terça-feira após a renúncia de Cunha.
Adversários do ex-presidente classificam o recurso como mais uma manobra de Cunha para salvar o mandato. Aliados do ex-presidente refutam a ideia de que ele estaria operando para salvar o mandato. Para um desses aliados, Cunha não está pensando na eleição do novo presidente, pois está “destruído” com a perda do cargo e mais focado em desocupar a residência oficial da Câmara. Mas as mensagens ao grupo do PMDB no WhatsApp indicam o contrário.
Em outra das mensagens enviadas, Cunha se defende dizendo que a composição da Mesa Diretora, ao lado de Maranhão e do primeiro-secretário, Beto Mansur (PRB-SP), não foi escolha sua. Ele responsabiliza os partidos aliados pela formação. Classificada por um peemedebista como uma rara mensagem positiva de Cunha, o ex-presidente agradece aos colegas de partido pelo “carinho e solidariedade” diante do momento difícil que atravessa.
Após a renúncia à presidência da Câmara, Cunha enfrenta uma onda de isolamento por parte de antigos aliados, que passaram a negar serem seus simpatizantes. Além de Beto Mansur, que defendeu a renúncia de Cunha, estão neste grupo outros possíveis candidatos à presidência da Câmara, como o líder do PSD, Rogério Rosso (DF), e Carlos Manato (SD-ES). Segundo assessoria, por ser componente da Mesa Diretora da Casa, Mansur procurou tratar tão somente de questões pertinentes ao cargo ao longo da gestão com Cunha.
O uso do grupo privado de WhatsApp por Cunha para articular sua sucessão desagradou a desafetos dentro do PMDB. Um desses deputados classificou as mensagens de Cunha como incabíveis. Para ele, por estar afastado do cargo de deputado por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), Cunha não deveria nem entrar em contato com os colegas de partido.
— É uma situação esdrúxula. Nosso ex-presidente faz um papel patético — afirmou.
A presidente afastada Dilma Rousseff disse, no início da noite de sexta-feira, em São Paulo, que o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha chorou “lágrimas de crocodilo” durante o anúncio de sua renúncia. Em evento organizado por grupos de mulheres “em defesa da democracia”, Dilma voltou a dizer que Cunha agiu por vingança ao aceitar o pedido de impeachment.
— Ele cometeu ato de vingança com quem não aceitou a chantagem — disse Dilma, referindo-se ao fato de o ex-presidente da Câmara ter aceitado o pedido após três deputados do PT anunciarem que votariam contra ele no Conselho de Ética. Dilma acrescentou: — O Cunha agora chora lágrimas de crocodilo. (O Globo)