Força-tarefa derruba 40 casas na área invadida em Arembepe

Não se enxerga um palmo diante do nariz. Apenas algumas luzes distantes e os faróis de uma picape que se aproxima e vem em nossa direção. É nesse momento que vozes surgem ao longe, no meio do breu, e tentam nos intimidar. “Vão embora! A área já tem dono”. E ameaçam. “Vamos cercar! Vamos pegar eles”, convocam uns aos outros.

As ameaças partiam de invasores, assentados logo depois da entrada de Arembepe, no Litoral Norte. No total, são estimados em 2 mil pessoas. “Nosso objetivo era mostrar o resultado da força-tarefa da noite anterior”, quando a prefeitura de Camaçari realizou a 15ª operação de expulsão dos invasores em apenas uma parte da área. Na oportunidade, foram derrubadas 40 casas erguidas por grileiros. Um total de 20 homens, entre fiscais, seguranças e policiais, derrubaram um a um os imóveis improvisados.

Acontece que, ao retornar ao local, não estavam apenas restos de obras e escombros de blocos e cimento. Os invasores haviam voltado para as terras. E o clima estava tenso. Responsáveis por destruir e dividir em lotes 5 milhões de m² (o equivalente a 500 campos de futebol) de uma Área de Proteção Ambiental (APP), o fato é que eles não estavam nada satisfeitos.

Tiros e muita tensão
A prefeitura e os proprietários afirmam que não se trata de gente necessitada, mas de invasores com dinheiro, dispostos a construir suas casas de praia ou comercializar terrenos. “Estávamos acompanhados de dois policiais militares que costumam comandar as operações. Diante do avanço e ameaça dos invasores, eles resolveram agir: ‘Polícia! Polícia’”. Os grileiros (ou gente contratada por eles) não se intimidaram. “Polícia, nada! A gente não tem medo de polícia”, gritavam do outro lado.

Foi aí que surgiram tiros na escuridão. Atirando para o alto, os policiais avançaram e conseguiram dispersar os invasores. Os PMs ainda nos chamaram para mostrar os caminhões de blocos, areia e cimento. Eles aproveitariam aquela noite para construir mais. “Aí, ó. Aí os caminhões de bloco, areia e cimento. Você viu como eles são agressivos. Estavam querendo nos cercar”, disse um capitão da PM, que preferiu não se identificar e, em entrevista gravada, preferiu não mostrar o rosto.

Para o próprio capitão, as operações são tardias e insuficientes. “A prefeitura tem essa autonomia de agir logo que ocorre uma invasão, mas o município não tem dado conta. A gente derruba hoje e amanhã constroem tudo de novo”, destacou. “Hoje, eu tenho quase certeza que tem uma quadrilha ligada a grandes invasões. Eles têm estrutura, recursos financeiros e vem sendo difícil para o município sozinho arcar com isso”, completou.

Tanto nas fotos registradas pelo CORREIO quanto nas imagens que a prefeitura disponibilizou, placas com nomes dos “proprietários” estão espalhadas pela área de preservação. Terrenos são loteados por cercas, fitas e estacas. Moradores de Arembepe e até mesmo autoridades de Camaçari afirmam que, entre os invasores, há todo o tipo de gente. Inclusive policiais, políticos, autoridades e pastores evangélicos.

“Ali tem pessoas de todos os setores da sociedade”, confirma o capitão. Ele acredita que a maioria invade não para morar, mas para comercializar as terras, inclusive usando documentos falsos. “Eles invadem, vendem o terreno e anunciam em sites. Já rastreamos na OLX, no Mercado Livre”, cita.

A prefeitura denuncia que os invasores usam pessoas de baixa renda para “tomar conta” das casas. “Eles aproveitam a noite e sobem as paredes. Antes mesmo de ter teto, eles já colocam cama, fogão e geladeira. Eu brinco aqui dizendo que esse é o kit invasão. Alguns ainda colocam velhos e crianças lá dentro. Isso barra a nossa fiscalização”, lembrou.

A prefeitura registrou, inclusive, a imagem do que seria a sede da associação criada pelos invasores para quem desejar se instalar nos terrenos. “Essa é uma associação clandestina, não tem qualquer registro”, afirma Djalma Machado, secretário de Desenvolvimento Urbano de Camaçari.

Riscos
As duas tentativas do CORREIO de se aproximar e ouvir os invasores ofereceram riscos à nossa equipe. Na primeira, há três semanas, uma picape Hilux branca “acompanhou” de forma ameaçadora nosso carro de reportagem até perto do pedágio. Na segunda, ocorreu o que foi relatado acima. “Tivemos que atirar porque os invasores tentaram nos cercar. Ameaçaram cortar nossos braços, nos matar”, lembra o capitão.

Por conta das ameaças, não ouvimos os invasores. Apenas um único homem, apontado como um dos líderes do grupo, falou à reportagem. Fabiano Silva dos Santos Sacramento, que foi candidato a vereador este ano, reconhece que há muito mais do que gente necessitada nas invasões.

Além disso, ele contesta os donos e o fato de as terras serem parte de uma APA. “Nunca nos apresentaram escritura. Que eu saiba ali não é APA”, disse. Não só a prefeitura e o Ministério Público (MP), mas ambientalistas da região confirmam que toda a área devastada é protegida por lei ambiental. “Destruíram boa parte da APA do Rio Capivara. O que cometeram ali é um crime ambiental gigantesco”, avaliou um ambientalista, que, com medo, não se identificou.

O MP também iniciou uma cruzada contra as invasões. O promotor de Meio Ambiente de Camaçari, Luciano Pitta, notificou os donos das terras e a prefeitura para que tomem providências. Paralelo a isso, os proprietários ajuizaram ação na Justiça em busca de uma liminar de reintegração de posse.
Penas

Crime ambiental
A Lei Federal 9.605/1998 mostra que os invasores de Arembepe cometem diversos crimes ambientais. Somente o desmatamento prevê pena de prisão de 2 a 4 anos e multa.
Loteamento clandestino
A Lei Federal 6.766/1979 prevê prisão de 1 a 4 quatro anos e multa de 5 a 50 vezes o salário mínimo vigente para quem lotear área de forma irregular.
Organização criminosa
A Lei 12.850/2013 prevê pena de 3 a 8 oito anos de prisão para integrantes de grupo criminoso.

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