Novos sintomas da Covid-19 enganam médicos e mostram outra face da doença

 Novos sintomas da Covid-19 enganam médicos e mostram outra face da doença

Dores lombares, desorientação, extremo cansaço e uma sinistra falta de oxigênio agora estão entre os sintomas da infecção pelo coronavírus. Novos e à primeira vista não relacionados, estes e outros distúrbios são capazes de enganar médicos — até mesmo quando eles próprios adoecem. Dois meses após a detecção do primeiro caso de Covid-19 no Brasil, são manifestações de uma doença mais perigosa e diferente daquela que se imaginava.

A relação de sintomas de Covid-19 só tem feito crescer, mostra o “British Medical Journal”. Nas últimas semanas, sociedades médicas brasileiras e estrangeiras acrescentaram novas manifestações à doença, bem como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC, na sigla em inglês).

Os primeiros sintomas detectados, como dificuldade para respirar, febre e tosse, permanecem. Mas, entre as manifestações que se observam, além de perda total de olfato e paladar, estão os chamados “dedos de Covid” (dos pés, inchados e inflamados), conjuntivite, erupções na pele, toda sorte de dores musculares e articulares e sinais neurológicos, como perda de equilíbrio.

Sintomas da Covid-19 Foto: Editoria de Arte

Sintomas da Covid-19 Foto: Editoria de Arte

Não foi o vírus que se alterou, mas a dimensão da pandemia. O fato de o coronavírus ter infectado milhões fez emergirem sintomas mais variados, reflexo do quadro mais completo da doença.

E o que se enfrenta “não é apenas uma pneumonia. É algo que nunca vimos antes”, disse à revista médica “Lancet” o cardiologista suíço Frank Ruschitzka, que trata de pacientes com Covid-19 no hospital da Universidade de Zurique.

Evolução inesperada

À frente de pesquisas sobre o tratamento da Covid-19 no Brasil, a médica Patricia Rocco, que chefia o Laboratório de Investigação Pulmonar da UFRJ e é membro da Academia Nacional de Medicina e da Academia Brasileira de Ciências, diz que, de fato, tudo mudou:

— Há dois meses, afirmaria que a Covid-19 era uma doença viral causadora de comprometimento respiratório, com casos graves marcados pela síndrome da angústia respiratória aguda. Hoje, a vejo como uma doença viral de evolução completamente inesperada. Você se depara com um grande comprometimento vascular.

Ela diz que o paciente com confirmação ou suspeita de Covid-19 deveria contar com uma série de exames para detectar alterações vasculares e inflamatórias, sejam de imagem, como tomografia, ou de sangue, onde se buscam marcadores inflamatórios e de risco de trombose.

Patricia Rocco investiga biomarcadores específicos, substâncias presentes no sangue que possam sinalizar risco de agravamento da Covid-19. “Hoje não temos um protocolo de avaliação rápida, e isso custa vidas”, observa a pesquisadora. A infecção pelo coronavírus passou a ser associada à formação de microtrombos pelo corpo, inclusive no cérebro.

Uma hipótese para isso é que os receptores usados pelo coronavírus para invadir as células existem em muitos órgãos, principalmente nos vasos sanguíneos. As células que revestem os pulmões estão cheias deles, mas eles também estão no intestino, nos rins e no coração, por exemplo.

— O que era vista como uma doença respiratória se mostrou uma síndrome preponderantemente vascular — frisa o hematologista e oncologista Daniel Tabak, da Academia Nacional de Medicina, que monitora a evolução da Covid-19 no Brasil.

Células onde o coronavírus se instala Foto: Editoria de Arte

Células onde o coronavírus se instala Foto: Editoria de Arte

São essas complicações vasculares que têm sido associadas a AVCs e alterações cardíacas graves mesmo em pacientes jovens.

— Como a Covid-19 provoca AVCs em jovens? Há hipóteses. Mas a resposta honesta é: não sei! — frisa Rocco.

A doença permanece uma fonte de incertezas e surpresas. Tabak diz que uma possível explicação para a dor lombar seria a presença de microtrombos e inflamação. Outra é que a dor seja sinal de uma pneumonia silenciosa. O primeiro doador de plasma convalescente do Brasil, o hematologista carioca Ruddy Dalfeor, por exemplo, sofreu uma violenta dor lombar:

— De início, achava que tinha cálculo renal. Mas a dor nas costas era insuportável. Foi fazer uma tomografia e descobri uma pneumonia. O coronavírus engana.

As dores musculares poderiam ter várias causas, mas as primeiras autópsias não invasivas de pessoas que morreram de Covid-19 em São Paulo, feitas pela USP, revelaram danos diretos nos músculos. Já a má circulação estaria por trás dos “dedos de Covid”. Os distúrbios causados pelo coronavírus no nervo olfatório explicariam a perda do sentido. As erupções na pele — ou rash viral — não são raras em viroses, mas o mecanismo que as deflagra na Covid-19 permanece não esclarecido.

Olhar tipo zumbi

Distúrbios como confusão mental poderiam sinalizar encefalite causada pela Covid-19, supõe o infectologista americano Daniel Griffin, coordenador da resposta para o coronavírus em hospitais de Nova York. Ele acrescenta ainda a associação da Covid- 19 com encefalopatias, cujo resultado seria um “olhar tipo zumbi” e alucinação. Numa palestra virtual para virologistas, disse que “há gente chegando nos hospitais com dor no peito. Ainda não está claro, mas o coronavírus pode impactar o coração. Em alguns casos, parece infarto”.

Segundo Griffin, na primeira semana de sintomas, a infecção viral predomina. Porém, nos casos que se agravam, na segunda semana surge algo como uma tempestade imunológica. Mas, depois, surgem complicações no sangue, ligadas à inflamação.

O cientista considera que a diversidade de manifestações permite que casos de doença e morte por Covid-19 não sejam associados ao coronavírus. E que muita gente “assintomática” seja, na verdade, apenas não diagnosticada.

— A cada dia aprendemos com novos casos e temos uma urgência que jamais tivemos, pois as pessoas estão morrendo como nunca — destaca Patricia Rocco.

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